A Beleza da Poesia de Mara Magaña
amálgama
qando eu era branca
imigrante no sobrenome
olhos verdes maternos na vigia
cismava com minha cor café com leite
- vem de marrocos
povo amorenado no deserto
como su bisabuelo
que foi para almeria
onde nasció mi padre, explicava meu pai
achava lindo e me via em marrakesh
com lembranças plenas de arabescos
imigrante no sobrenome
olhos verdes maternos na vigia
cismava com minha cor café com leite
- vem de marrocos
povo amorenado no deserto
como su bisabuelo
que foi para almeria
onde nasció mi padre, explicava meu pai
achava lindo e me via em marrakesh
com lembranças plenas de arabescos
quando eu me conheci índia
cabelos pretos longos
indistinta herança kaiabi apiaká
bororó paresia
da avó lenda de uma aldeia
perdida nas bandas de um matogrosso
achei divina a segunda vida
anterior à primeira
e me pus menina de cara pintada
aprendendo segredos da terra
que me esculpira
cabelos pretos longos
indistinta herança kaiabi apiaká
bororó paresia
da avó lenda de uma aldeia
perdida nas bandas de um matogrosso
achei divina a segunda vida
anterior à primeira
e me pus menina de cara pintada
aprendendo segredos da terra
que me esculpira
quando eu me descobri preta
surpresa do dia a dia
cara pele corpo alma
da história não conhecida e tão sentida
me entreguei ao embate
me rasguei e apresentei meu avesso
à sinhazinha
no catre do sinhô
na carne açoitada do meu irmão
nas mortes que carrego no peito
e saí inteira
surpresa do dia a dia
cara pele corpo alma
da história não conhecida e tão sentida
me entreguei ao embate
me rasguei e apresentei meu avesso
à sinhazinha
no catre do sinhô
na carne açoitada do meu irmão
nas mortes que carrego no peito
e saí inteira
trago tudo em convulsão
canto de mil noites
do batuque ao flamenco
e me amalgamo em mim
canto de mil noites
do batuque ao flamenco
e me amalgamo em mim
femina
I
tenho um sertão
dentro de mim
que me sabe agreste
seca disseca
e me revela
cacto
tenho uma mata
crescendo em mim
que me insurge em sombra
enlaça entrelaça
e me encontra
imane
tenho um mar
espocando em mim
que me põe à deriva
suga subjuga
e me torna
concha
luzeiro clarão farol
sou mandacaru araucária palmeira
II
e que mais posso ser?
harpia
ninfa
sereia…
serei antes
aniquilação
assombração
arrebentação
ou nada:
talvez mover-me
sinuosamente
apenas
das lições
aprendi cedo
que galinhas de bico cortado
não ciscam
que pássaros de asas arrancadas
não migram
que gentes de vísceras expostas
não piam
aprendi cedo
a andar pisando em ovos
a procurar ouvidos nas paredes
a engolir o choro
a silenciar o grito
a andar pisando em ovos
a procurar ouvidos nas paredes
a engolir o choro
a silenciar o grito
aprendi cedo
que meu lugar não era aquele
que minha fala não convinha
que minha pele não era a certa
que meu sexo era um limite
que meu lugar não era aquele
que minha fala não convinha
que minha pele não era a certa
que meu sexo era um limite
aprendi cedo tudo o que ensinaram
e esqueci logo em seguida
e esqueci logo em seguida
(inspirado na poeta Ruth do Carmo
entrega (ou livramente livroamante)
diante de ti sou toda súdita
rei absoluto de dias e noites
desvendei segredos e mistérios
conheci a beleza e a estupidez
e assim ordenei guerras e paz
déspota insana e pródiga
a mergulhar em teu mar parideiro
(achava que só eu me fazia sereia
para teu deleite
na meninice de minhas descobertas)
mas te mostravas faceiro
e lânguido e aventureiro
engendrava-me com ternura e encantamento no último momento
quando as luzes se apagavam
e me restavam apenas os devaneios
a respiração ofegante
por ainda não te possuir inteiro
– renascia todo dia
porque te sabia à minha espreita
eu púbere e casta
tu sultão de mil anos
a levar-me pela mão ao arrebatamento
foi assim que me iniciaste
: destino gravado em mim
antes da primeira palavra
do primeiro medo
do primeiro espanto
do primeiro amor
antes mesmo da minha existência
e prosseguimos amantes tórridos
tresloucados perseguidos
e se te perco por instantes enlouqueço
que sem ti não resisto
nem sei da vida ou simulacro dela
(essa que finjo e nela permaneço)
por ti me fiz andarilha
e poli minhas botas de sete léguas
em ti afiei língua e espada
recusei tronos e coroas
enfrentei saaras e pacíficos
me faço desfaço refaço
e me revelo
(só a ti)
assim quero seguir até o fim
– o meu
porque tu continuas
com teus amantes
de sexos indecifráveis
a reproduzir-me
a reproduzir-se
eternamente
mortalha
teu corpo é minha morada
gosto de me debruçar às tardes
na varanda dos teus olhos
e mirar as meninas e meninos
que por ti passam
a acreditarem
nessa tanta mocidade
gosto de possuir tuas pernas
vadiar por ruas vielas becos
sem destino
e depois entrelaçar-me
pelos eriçados
pés percorrendo o caminho das veias
teu corpo é meu espanto
fujo de ti quando me procuras
porque não sou tua
não permito enlace
respiração exaltada
bocas se mordendo
desejo incontido
fujo de ti porque me encontro
em teu ventre seco
ou meu nem percebo
e me ponho em chamas
dilacero minha carne
no fio do teu falo
e o que não sei de ti
em mim reflete
no espelho de duas faces
nossas vidas multiplicadas
histórias espalhadas pelas entranhas
teu corpo perfeito como minha mortalha
Desenhos de WP @patrickdesenhoetatoo
Mara Magana, nasceu e reside em São Paulo, é jornalista, professora de Português e Espanhol, tradutora, ghost-writer. A literatura sempre foi o grande fascínio. Participou de alguns concursos, e ganhou um ou dois deles. Tem contos e poemas em Antologias. Participou do primeiro coletivo de mulheres ao lado de Rosa Maria Mano, Dona Anna de Oliveira, Ruth do Carmo, Maitê do Prado, Rosely Deienno, Maria Elizabeth Cândio e outras, em 1982, Com essas poetas, participou do livro Fruto Mulher, da Semente Edições. O jornalismo a tirou do caminho literário por bastante tempo, mas volta esse ano com um livro de poemas e outro de contos. Entre um e outro, prepara seu primeiro romance.
Verdadeiramente uma poetisa!
ResponderExcluirParabéns
Muito boa mesmo! Obrigada pela visita e comentário.
ExcluirMaravilhosa!
ResponderExcluirAdoro os poemas de Mara Maganã. Uma escrita profunda,que toca a gente.
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