Crônica de uma mãe cronicamente feliz - Chris Herrmann



Crônicas que as lembranças me embrulham de presente - 01

por Chris Herrmann

Esse título da minha crônica pode parecer estranho, mas é a pura verdade e vocês poderão entender melhor depois que eu contar os porquês.

Meu filho agora tem dezessete anos e em três meses fará dezoito. Ele passou por uma difícil maratona e foi selecionado para fazer um “Ausbildung“ aqui na Alemanha - uma espécie de mini faculdade, com estágio e remuneração por três anos para iniciar em seguida uma carreira no “Finanzamt“, a Receita Federal da Alemanha. 



Sim, estou terrivelmente orgulhosa dele ter sido escolhido, até porque os outros candidatos eram mais velhos, em sua maioria. Mas não é apenas por isso. Tem muito mais “caroço nesse angu“.

Acontece que eu me separei do pai dos meus filhos aqui na Alemanha quando eles ainda eram pequenos, e passei uma fase bem difícil. Sozinha, sem parentes e com poucos amigos em uma cidade pequena como Hilden. Com dois filhos e tendo que disputar o mercado de trabalho com alemães, sendo que eu não tinha formação na Alemanha, passei por momentos bem complicados. Meu ex marido ( pai dos meus filhos ) estava irritado de pagar pensão e eu trabalhava em casa no computador, como webdesigner e tradutora. Não conseguia ter um ganho que cobrisse as despesas a ponto de não precisar mais da pensão. Além da dificuldade de trabalhar e cuidar de duas crianças sozinha. 

Ainda assim, me esforcei para estudar e fazer cursos na Alemanha e me especializei em musicoterapia e terapia ocupacional com idosos em asilo. Quando comecei a trabalhar fora, meu ex passou a reclamar que eu tinha menos tempo em casa para cuidar das crianças. 

Juntando a essas dificuldades, minha filha teve problemas na escola por conta da separação. Precisou de acompanhamento psicológico. Meu filho não sentiu tanto por ser ainda muito novo. Tinha 5 anos. Apesar disso, era um menino muito levado. Só pensava em brincar e escola para ele era uma tortura.

Conforme ele foi crescendo, foi piorando: relaxado ao extremo com o quarto e com tudo, perdeu três bicicletas porque esquecia de usar a tranca (aqui se rouba mais bicicletas que carro), perdia celular ou deixava cair e quebrar, odiava fazer deveres de casa e não queria responsabilidade com nada. Só queria saber de brincar, comer doces, jogar bola na rua com outros meninos. Embora ele tenha nascido aqui na Alemanha, houve momentos que ele parecia ter nascido no Brasil. Um Ronaldinho na pele do Martin, pensei. 

E os problemas com o lado caótico dele foram apenas aumentando, o que fazia me sentir culpada. Achava que eu não estava conseguindo ser uma boa mãe. Eu devia estar errando em alguma coisa, pensava. E meu ex marido intensificava isso em mim. Reclamava e me culpava de tudo.  Principalmente, depois que resolvi me mudar de Hilden para Duisburg, após conhecer o Lothar (na época estávamos namorando e depois nos casamos). 

Para completar toda essa confusão, em 2015 meu filho (então com doze anos) sofreu Bullying na escola onde estudava aqui em Duisburg. Isso porque se colocou em defesa de uma menina estrangeira que estava sofrendo bullying por outros meninos. Eles a chamavam de gorda, feia, esquisita, etc. Meu filho achou isso um absurdo e se posicionou contra a essa covardia. Daí os meninos passaram a persegui-lo. Ele passou a ser “a bola de vez“. Porém, ele não me contou que estava sofrendo bullying para não me preocupar e o problema escalou. Ao ponto dele receber ameaças de morte anônimas.

Só fui saber disso mais à frente, porque ele começou a ter medo de ir à escola e passava mal. Eu queria levá-lo ao médico mas ele esperneava para não ir. Perdeu várias aulas e também passou a ter medo das notas. Achava que não passaria de ano. Isso culminou em uma tentativa de suicídio. Só soube quando a diretoria da escola me telefonou dizendo que meu filho estava no pronto socorro. Socorro! Levei um susto imenso. Parecia que o chão tinha desaparecido sob os meus pés e o mundo desabava sobre a minha cabeça. Ele foi enviado de lá para uma clínica psiquiátrica (procedimento padrão na Alemanha em casos como esse). Ficou sob observação na clínica durante três dias e foi liberado. Fez ainda algumas sessões de terapia com uma psicóloga e voltou ao normal dele: caótico.

Meu filho mudou de escola e de lá para cá também foi se modificando. Em pouco tempo, parece que amadureceu muitos anos. E os anos também se passaram. Um dia, quando estava com cerca de quinze anos, ele disse que precisava conversar comigo. Me abraçou e disse que me amava muito. E que sabia que ele não foi uma criança fácil e que me deu muita trabalho e preocupação (palavras dele). Continuou dizendo que não pensava mais como criança e que sabia que precisava ser mais responsável, mais dedicado aos estudos e pensar no futuro. 

Ele sempre foi bom em matemática e raciocínio lógico, mas não gostava de fazer deveres de casa, perdia material, os livros e cadernos estavam sempre despencando, com folhas rasgadas ou perdidas. Nas reuniões de pais na escola, eu sempre passava vergonha! (risos) Desajeitado e completamente caótico (e canhoto). As notas não eram tão ruins, mas também não podiam melhorar em meio a esse caos. 

Então, de dois anos e meio para cá, parece que ele teve um clique interno e se transformou. Passou a se dedicar muito mais aos estudos, a ficar mais disciplinado e até mais carinhoso comigo. As notas dispararam e agora recebo essa notícia maravilhosa que ele está prestes a ingressar em um estudo que mudará o rumo da vida dele por completo. Todas as vezes que chorei, me preocupei, me desesperei e fiquei sem dormir, já não importam mais. Passaram. Estou feliz de ver meu filho feliz e bem. Isto é o que importa agora. Talvez eu não tenha sido uma mãe tão ruim quanto pensava. Devo ter acertado em alguma coisa. E assim termina esta crônica de uma mãe cronicamente feliz.

Comentários

  1. Que maravilha! Quem somos nós??? Somos Mães! E hoje você é uma mãe cronicamente feliz. Isso me deixa feliz também. Bjs pra vc e pra ele.

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  2. Ô minha querida amiga Silvia, e eu fico ainda mais feliz em saber que você está feliz por mim. Obrigada. Beijos. :)

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  3. Oh Chris!!! Que momento de felicidade!!! Nós, mães que cuidam de sua filhos sem apoio sempre nos acostumamos a nos culpar por tudo, mas sabemos que fazemos tudo o que podemos. Somos fortes e criamos filhos fortes também!!! Eles tem o tempo deles , o importante é nunca desistir. Parabéns !!!! Um cheiro...

    Luh

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  4. Chis que depomento lindo .Estou muito feliz por você e pelo seu filho.Desejo muito sucesso e felicidades Beijos.

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  5. Muito feliz por você, amiga! Crônica muito tocante.

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  6. Obrigada pela carinho e sensibilidade das palavras, Luh Oliveira, Lia Sena e todas.

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  7. Que história incrível, Chris! Tenho certeza que você foi uma mãe maravilhosa para teu filho! Parabéns pra você e pra ele!

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  8. Feliz com este novo espaço de depoimentos verdadeiros onde nos identificamos e nos reforcamos.

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  9. Chris, adorei o andamento da sua crônica e de seu filho ter tido esse clique. Parabéns pela cria.

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  10. Agradeço a leitura, consideração e apoio, queridos João Gomes, Vera Ione e Nic Cardeal. Vocês são 10!
    Grande abraço!
    Chris

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  11. Chris, com uma grande mulher como mãe, o menino vai longe. Parabéns aos dois!
    Amiga, que bom te ler, saber que estás bem e feliz! Beijosaudade, querida.

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    1. Linda você, Cacau! Muito obrigada pela leitura e força. Também estou com saudades. Beijos, querida amiga poeta. :)

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