Daniella Guimarães - poesia preciosa
Fotografia por Marcelo Sena |
Patriarcado
conheci o
ferro de passar roupas da maria antônia
desses de
ferro mesmo onde se colocava brasa dentro
pesava dois
quilos e meio
maria antônia tornava
tudo impecável
lençóis
brancos de puro algodão
intermináveis
coleções de linho
os
guardanapos de pano
as cortinas
babados e
vincos
precisava
ter punhos de ferro
pra
satisfazer a patroa
pra
satisfação do patrão
coitada da
maria antônia
que vivia
com medo de errar.
Desenho por W. Patrick |
Das pedras
nasci tão branca e
de olhos verdes
que nem o
bisavô
genovês
mas
sonhei ter nascido com pele preta
no cabelo
um ninho de guaxe
um lábio forte
um seio robusto
aprendi
também coisas feias
com a
tradicional família mineira
coisas que
não ouso contar
minha terra
com ruas de paralelepípedos
ensinou
propriedade, religião, família
tudo pedra
e pedra e pedra
tudo bruto
as horas
suaves eram fakes
propaganda
de margarina
nas manhãs
de domingo
importava
mesmo é o destino capital , a casa grande, o sobrenome
aprendi a
escrever não para pacificar
falando dos
diamantes , das diásporas , dos dialetos , da flor do cerrado,
da
elegância
altaneira dos urubus
logo após as carniças
escrever é morrer um
pouco a cada dia
interrogando
amor e dano.
Profecia
diz-me onde
moras e te direi sobre os azuis ou os fuzis
diz-me a
cor da tua pele e te direi quantos riscos e danos
diz-me se
teu deus usa arma e te mostrarei um país sangrando pelas costas
Tela de Luciane Valença |
Dia simples
faço poemas
mesmo quando choro, penduro a roupa no varal, separo orgânicos dos
não orgânicos, retiro da escova velha os fios de cabelo,
mesmo quando penso que os cabelos estão caindo mais do que deviam,faço poemas
abrindo a geladeira pra ver o que tem pra comer de madrugada e deparo com
cheiro de uma coisa estragada dentro, faço poema com a mão que querem
engessada, o fígado revirado, o estômago ácido demais, faço poema com o beijo ainda
quente nos lábios e um cheiro de yves saint laurent nas costas
do pescoço, faço poema enquanto molho as alfazemas da lateral da casa e grito
com o cachorro que morde a mangueira, pensando que o governo anda atrasando o
pagamento desse mês de outubro ,enorme mês de outubro,
ebulindo pra sempre minhas tristezas políticas, faço poema na pracinha do
bairro levando o bebê da vizinha pra
tomar sol, cumprimentando dona dina na terceira casa , ouvindo às
lamentações do seu nicanor e as peripécias do Teodoro , que enrolou a
linha da pipa na árvore da minha casa e me chama pra
ajudar dona daniella dona daniella , me acode aqui , faço poema
como quem larga os papéis e o telefone prateado e
abre a porta , faço poema salvando os fios da pipa do menino que me estala
um beijo agradecido e o sol esquenta a roupa no varal que já retorno pra
pegar dobrar guardar dispor nas gavetas as roupas o cheiro do amaciante, os
vincos das malhas, o azul dos jeans bem desbotado, um botão que se solta quando
pego a blusa de seda, faço poema pensando
que a seda de todo amor é a noite depois do longo dia , tudo ou
quase tudo é substância.
Instinto
não tento
domesticar o poema
poema é boca do
vulcão
uma mulher
selvagem
que entra
em cena
sem decência
qual substância pura
não
há como usar álcool gel
nas palavras
nenhuma
antissepsia
poema é risco
Poetisa nata..dom dado por Deus...
ResponderExcluirMaravilha! Queria teu livro (In)visibilidades!
ResponderExcluirEstou no Facebook: Lígia Savio
ResponderExcluirUm abraço!