A poesia espetacular de Micheliny Verunschk

Arte de Luciane Valença

Seis Poemas de
Micheliny Verunschk 

OLHE PARA MIM
Fang Yin
olhe para mim
a lua é uma flor
que explode 
em pétala
e um jasmim 
gravita
em torno 
de um diminuto
planeta Terra 
olhe para mim
toda luz
reside à flor da alma
na paciênciaque tecen
um campo inteiro
um único botão de malva
olhe para mim
há um jardim
para além da tua casa.

Yosefa
olhe para mim
há um jardim
para além dos territórios
do esquecimento
uma promessa
pousada
sem fim nem tempo
olhe para mim
entre nós 
uma única palavra
e olhos que se espelham
numa gota d'água
dois corações
abertos
como um par de asas
olhe para mim
há um jardim
para além da tua casa.

꧁☬꧂

você já observou uma mulher que escreve
durante o ato da escrita?
já viu como emana dela luz e poder
que não são de outra estrela
senão dela mesma e do que conseguiu
angariar como alimento,
asteroides seiva outros corpos em expansão?
os pontos luminosos dos seus olhos
se abrindo e fechando em fractais
de energia puríssima?
você já se surpreendeu 
com uma mulher que escreve
durante o ato mesmo da escrita?
já viu a simplicidade da mão
marcando o papel sob a força 
da tecla ou da caneta
como se fosse um exercício fácil
esse de dar materialidade aos espíritos
que pairam nas ideias?
foram tantas e tantas eras para chegar até aqui!
foram tantas pedras a carregar nas costas!
tantas cinzas a sufocar gargantas 
a entupir os poros.
você já observou uma mulher que escreve?
algo nela se torna iridescente
da tempestade dos neurônios 
às pontas dos dedos, 
bem ali no limite lunar entre a carne e suas unhas.
nada mais simples que uma mulher que escreve.
nada mais insurgente e capaz de gerar beleza
esse lugar para o qual todos fomos destinados.

꧁☬꧂

mar aberto: meu coração 
agitado
rebate contra as pedras
o sol espelha na água
seus cacos de vidro
e me cega.
mar aberto: meus pés tocam o fundo
e a areia reverbera
música de dentes
garras guerras guelras.
mar aberto: onda que vem
onda que vai
me devolve
e me leva.

꧁☬꧂

todos são inocentes
quando vítimas inocentes
da tragédia
a tragédia
não o drama grego
de deuses semideuses e heróis
o trágico acontecimento
do caminhão que explode 
e faz estremecer a cidade 
o mundo
da torre que desaba  
não pelo dedo de deus
mas pela bomba
dos tiros disparados
onde o alvo são todos
todos os inocentes
as vítimas inocentes
que outro dia respiravam 
aliviados
ante o noticiário
oh! ainda bem que não fui eu.
todos são inocentes
quando vítimas inocentes
transeuntes desavisados
em direção à morte
todos somos inocentes
quando vítimas inocentes
desse teatro sem coro
sem catarse
sem lógica
todos inocentes
quando vítimas inocentes
carne para moer
dada aos poderosos
aos donos das armas
aos cheios da grana
aos incendiários dos empréstimos
a juros amortizados
todos inocentes
quando vítimas inocentes.

 ꧁☬꧂

Ophelia

um par de seios
boiando sobre as águas
e a ilha submersa
um emaranhado de raízes
bulbos filamentos.

cinco palavras giram
ao redor da lâmpada:
todas tem calcanhares
e arestas.

ah,
naa margem da vizinha ribeira cresce um salgueiro.



Foto: Arquivo Pessoal da autora

Micheliny Verunschk é autora de livros de poesia e prosa. Seu primeiro romance, Nossa Teresa – vida e morte de uma santa suicida (editora Patuá, 2014) foi agraciado com o Programa Petrobras Cultural e com Prêmio São Paulo de melhor livro de 2015. É mestre em Literatura e Crítica Literária e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC São Paulo. Foi membro de vários corpos de jurados de concursos literários brasileiros, entre eles o Prêmio Jabuti e o Prêmio Sesc de Literatura.

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