Silvana Guimarães: Seis Poemas de Bem-querer & Fúria
Laura Makabresku |
trapézio
a manhã nasce num
gesto escuro
quando a espera
se revela
inútil como um
útero
que não sangra
o corpo incauto
põe-se
de tocaia:
aguarda outra deixa
para se jogar
e ignora o
calafrio
esse arrepio
entre o umbigo e os seios
essa dor
terebrante no monte de vênus
anunciam
todo amor
dilacera
flamboyant
de novo enflorece
como há longos anos:
nódoa cor de
sangue desafia o azul sem nuvens
um naco de
delírio ronda a paisagem
instala o passado
na varanda e declara
é tempo de paixão
folhas flores um
rumor um desvario:
a voz que
sussurrava
entre gemidos e
safadezas
"meu
doce"
bolero
haverá uma
esquina onde vão se encontrar
esfolar-se em um
passado de asas feridas
escutar a música de
uma partitura vazia
nenhum dos dois
vai mencionar palavras
como ruptura
mágoa desavenças tempestade
amargor ruína
asfixia e a pior delas: _______
vão insistir nos
seus melhores ângulos
nos finais
felizes das velhas fotonovelas
teimar outra vez
em fogo lento & brando
haverá outros
domingos outras esquinas
numa delas —
afinal — vamos nos despedir:
como uma menina
antiga e um menino tonto
natureza urbana
no centro da mesa
a
velha fruteira
guarda
os boletos a
pagar:
arranjo de frutas
& aflição
para sonata de
insônia
furores
a prima C.
despedaçando no meio-fio a cabeça de louça da minha primeira boneca
os dentes de
leite
a apatia da
Santíssima Trindade
a cor branca
o corpo de Hitler
descendo aos infernos
o vestido do
primeiro baile, de veludo, me consumindo
o fogo que arde
sem se ver
o silêncio de
Guantánamo
um gato molhado
a letra A
o último tango em
Paris
o olho amputado
de Abu Ghraib
a sandália
havaiana do atropelado revirando-se pela avenida
as jaulas
uma mulher
morrendo por lapidação na Arábia Saudita, Paquistão ou Nigéria
a banda de música
do 11° Batalhão de Infantaria de [ilegível]
às 12h31m na Av.
Paulista
o tempo: as rugas
os fracassos os vícios: o tempo
o terceiro
movimento da Nona de Beethoven
o responsório de
Santo Antônio
as quintas-feiras
a hipotenusa
play it once, Sam, for old time's sake
a sombra da
solidão no escuro
o poema As
Coisas, de Borges
o signo de
Escorpião
a distância entre
o estampido do revólver e a parede
a palavra
in-can-des-cen-te
Genaro, quando
abro as pernas e deixo-o entrar
habeas corpus
nada como a
esperança para curar as dores
de uma era oca:
beco da morte-sem-saída
nada como o ódio
para acelerar o rumo de
uma história
infeliz de busca & apreensões
[quando a minha
fome beija a sua sede
meus olhos se
encontram com meus olhos
minha alma fareja
o que sobrou dos restos
mais humanos do
corpo ultrajado: o meu]
descarregaram a
ira em apenas um que era
multidão: ela
atira tinta em vez de sangue
aqui não é paris:
mas a estrela brilha sobre
os ladros de
ocasião: dizem que vão pegá-los
que venham os
bárbaros: inda que seja tarde
que cheguem com
mais fúria: com mais medo
Silvana
Guimarães. Escritora,
nasceu em Beagá/MG, onde vive. Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG). Participou de várias coletâneas e organizou algumas.
Editora da Germina — Revista de Literatura & Arte
[www.germinaliteratura.com.br] e do site Escritoras Suicidas
[http://www.escritorassuicidas.com.br]. Publica seu primeiro livro de poesia em
2020, se fizer bom tempo.
Maravilhosa. ❤
ResponderExcluirUma das melhores poetas da atualidade que tenho o orgulho de conhecer e sou fã. 🤍
ResponderExcluirConcordo!!!
ExcluirMaravilhosa! Espero que faça bom tempo pro livro dela sair
ResponderExcluirExcepcional!!
ResponderExcluirMaravilhosa....
ResponderExcluirSensacional! Silvana grita o que muitas sufocam. ��������
ResponderExcluirSHOWWWWWWWWW
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