Uma excelente crônica de Wanda LL Cozzi
ilustração: escultura de Leninha Latalisa
O homempor Wanda LL Cozzi
Só muitos e muitos anos depois, décadas
talvez, pude compreender a risaiada de todos, seguida de um certo desconforto e
o olhar de repreensão do nosso irmão mais velho, Dinho, naquela tarde quente em
que tomávamos sorvetes e chupávamos picolés em sua sorveteria em Abaeté.
O meu picolé e o da Fizinha com certeza
eram de queimadinho com coco acima da metade que o Dinho, carinhosamente, fazia
e deixava separado pra gente.
Coitado do Dinho, a sorveteria dele não
poderia mesmo ter durado muito tempo. Imaginem que éramos doze irmãos a tomar
sorvetes e a chupar picolés de graça. E o pior: a levar uma quantidade enorme
de amigos para fazer o mesmo.
Acho que eu devia ter em torno de dez, onze
anos nessa época e naquela tarde minha irmã Lourdinha chegou na sorveteria com
duas revistas de fotonovela - Capricho e Ilusão - e começou a ler o horóscopo
de um por um. A gente vivia às voltas com fotonovelas e horóscopos.
Finalmente chegou o meu: Câncer.
“O seu dia hoje será muito feliz. Aquele
homem bem mais velho do que você vai se declarar.”
- Eu sei quem é ele! Gritei radiante.
- Deixa de ser boboiona, menina. Gritou
Lourdinha.
-Cala essa boca, menina. E passa já pra
dentro. Gritou mais alto ainda o Dinho.
O tal homem, não me lembro o nome mas
lembro-lhe bem o porte alto e elegante e o bigode. Acho que era um amigo de
nosso tio Diro. Enchia-me de elogios sempre que me via. Dava-me, às escondidas,
bombons e balas Chita.
Certo dia sentou-se a meu lado no banco da
praça da prefeitura, pegou o seu pente, que todo homem já feito andava com seu
pente no bolso e, ofegante, com seu corpo colado ao meu, pôs-se a pentear meus
longos cabelos.
Na outra mão, o lenço branco a enxugar-lhe
o suor.
Wanda Lúcia Latalisa Cozzi é cronista, contista e poeta nascida em Abaeté, MG. Graduada em Letras - português e francês - pela UFMG.
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