A poesia crua e dolorida de Arlene Lopes - cinco poemas


Carmen Luna


OJERIZA

sou feita da mistura de amor e tormentos
um deus ressentido e arbitrário me criou
defenestrou minha infância
tirou a terra e me deu covas rasas
onde plantei adultos e crianças
gente alegre e gente magoada
quando cheguei na metade do caminho 
desembrulhei a vida e encontrei uma pedra 
com resquícios de memórias impregnadas
deus impassível e isento 
nem viu quando usei um bisturi
e arranquei de mim o distúrbio das
células arruinadas 
 das vezes que a vida desmoronou
deus que está em toda parte 
não estava na parte em que eu estava 
talvez estivesse ocupado 
abraçando outros mundos
tentando acabar com as guerras religiosas
ou ajudando algum pobre magnata.


Carmen Luna

INSÔNIA 

Os sonhos que tive
foram abandonados
em alguma cidade
onde vivi 

depois veio 
a insônia

Carmen Luna

DREAM

sem nenhuma moeda aqueles olhos frios e imóveis
pareciam mirar a balsa de Caronte,

eu, que conhecia os seus mistérios pressionava com força a caneta sobre o papel
cuidadosamente colocado por cima daquele cadáver
não para marcar a pele enrijecida
mas para trazer à superfície o seu esgoto interior
eu escrevia com o simples propósito de ajudar naquela viagem ao mundo subterrâneo
eu escrevia para repelir o meu desejo de morte

eu escrevia para repelir o morto

Carmen Luna


ERRÔNEO APRENDIZADO

Aparentava ser um bom homem
mas foi submetido às neuroses e grosserias
habituado ao controle alheio
viciou-se nos pronomes possessivos
pela longa convivência com os egoístas
confundiu indiferença com quietude
desatenção com liberdade.
por longos anos da sua vida repetiu estes padrões
denominou tudo isso de amor
nunca amou!
foi propriedade e proprietário
sequer soube fazer sociedade


Carmen Luna


DESCABIDA
A ausência deita-se ao meu lado
no lugar que reservei para ti
lembro-me do dia em que hesitei
quis fugir
mas os meus pés me desobedeceram
e foram ao teu encontro...
com saudades
aperto a imagem daquele corpo contra o meu
e quase sinto o seu calor...
não fosse o choque da realidade absurda a me gelar:
a sua presença está noutro lugar, com outra presença
descabida engulo tudo
lágrima, ausência, dor, como sempre fiz e pergunto:
Onde eu caibo?

Arlene Lopes que por muitos anos viveu no sul do país, é baiana de Jacobina. Com poemas publicados em antologias e outras iniciativas coletivas, seus textos percorreram o país em peças de teatro e conteúdos para blogs, sites e revistas de poesia.
Como compositora letrista está filiada à UBC (União Brasileira de Compositores).
Em Itacaré- Bahia, criou o espaço cultural independente “A SONORA CASA SANTIAGO DE ARLENE”.




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Comentários

  1. La magia del dolor, el magnetismo del sufrimiento. La lucha por la vida
    Maravillosos versos

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  2. Os poemas da Arlene têm uma força...
    Eu sempre me impressiono quando a leio.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Mô, querida, muito obrigada pela leitura dos meus poemas, pela interação e pelo carinho. Fico feliz por saber que você gosta do que escrevo. Beijos

      Excluir

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