Afeto e melancolia, em uma belíssima crônica poética de Juliêta Almeida
Arte de Willian H. Snape
A Cadeira e o Olhar
por Juliêta Almeida
O olhar de uma pessoa reflete a alma! E existem almas para todos os gostos! Há os que olham para uma cadeira e veem apenas uma cadeira, outros veem uma história. Uma vida! Vou contar-lhes sobre o que vi, ao revisitar as gavetas da memória.
A primeira e principal delas é a figura do meu pai/avô, Chico Maria, sentado na tal cadeira que, hoje, ultrapassa um século de existência... meu avó, Chico Maria, a me contar histórias e a me fazer lembrar também de uma frase do escritor Ivan Martins: “o tempo pode ser adiado por fora, mas por dentro ele se instala”, dai…
Era um dia de sábado. Dia de tensão! A cadeira de balanço não balançava! Nela, um senhor de aspecto severo e circunspecto contava as cédulas, enquanto o suor lhe escorria pelo rosto. Havia chegado da feira livre, há poucos minutos, e o balaieiro (homem que carregava em um balaio as compras dos fregueses) ainda esperava pelo seu pagamento, quando eu, menina, aos 4/5 anos de idade começava a cantilena:
- Painho, me dá minha mesada! Ao que ele respondia:
- Menina, não vê que eu estou ocupado?
E, eu, insolente, continuava com a minha ladainha, a cada cinco minutos:
- Painho, me dá dois mil reis; - Painho, aumenta a minha mesada, até ver a paciência dele esgotar-se e ouvir em alto e bom som:
- Menina, tá pensando que dinheiro é hemorroida?
Na minha inocência eu não entendia a comparação, mas me calava, porque a insistência me levaria ao castigo. Horas depois, bem mais calmo e apaziguado com as suas contas, ele me botava no colo e me entregava as tão sonhadas moedas, junto com um cacho de pitombas que ele comprava para mim, e para o meu irmão, Chiquinho. Aí, lá se ia eu a correr atrás do sorveteiro; do homem que vendia algodão doce; do pirulito de chocolate, da venda de seu Nilo e das macaíbas e jatobás da feira livre. Em um instante, acabava-se o meu suado dinheirinho e eu voltava para casa satisfeita com as compras que adoçavam a minha vida e a minha boca.
O olhar de uma pessoa reflete a alma! E existem almas para todos os gostos! Há os que olham para uma cadeira e veem apenas uma cadeira, outros veem uma história. Uma vida! Vou contar-lhes sobre o que vi, ao revisitar as gavetas da memória.
A primeira e principal delas é a figura do meu pai/avô, Chico Maria, sentado na tal cadeira que, hoje, ultrapassa um século de existência... meu avó, Chico Maria, a me contar histórias e a me fazer lembrar também de uma frase do escritor Ivan Martins: “o tempo pode ser adiado por fora, mas por dentro ele se instala”, dai…
Era um dia de sábado. Dia de tensão! A cadeira de balanço não balançava! Nela, um senhor de aspecto severo e circunspecto contava as cédulas, enquanto o suor lhe escorria pelo rosto. Havia chegado da feira livre, há poucos minutos, e o balaieiro (homem que carregava em um balaio as compras dos fregueses) ainda esperava pelo seu pagamento, quando eu, menina, aos 4/5 anos de idade começava a cantilena:
- Painho, me dá minha mesada! Ao que ele respondia:
- Menina, não vê que eu estou ocupado?
E, eu, insolente, continuava com a minha ladainha, a cada cinco minutos:
- Painho, me dá dois mil reis; - Painho, aumenta a minha mesada, até ver a paciência dele esgotar-se e ouvir em alto e bom som:
- Menina, tá pensando que dinheiro é hemorroida?
Na minha inocência eu não entendia a comparação, mas me calava, porque a insistência me levaria ao castigo. Horas depois, bem mais calmo e apaziguado com as suas contas, ele me botava no colo e me entregava as tão sonhadas moedas, junto com um cacho de pitombas que ele comprava para mim, e para o meu irmão, Chiquinho. Aí, lá se ia eu a correr atrás do sorveteiro; do homem que vendia algodão doce; do pirulito de chocolate, da venda de seu Nilo e das macaíbas e jatobás da feira livre. Em um instante, acabava-se o meu suado dinheirinho e eu voltava para casa satisfeita com as compras que adoçavam a minha vida e a minha boca.
do arquivo particular de Juliêta Almeida
Mas, sim, estávamos falando de uma peça de mobília! À medida que o calendário dos dias se passava, as palavras do meu pai/avô se faziam habitar em minhas lembranças, de maneira indelével. Sentado na sua indefectível cadeira de balanço, ele espreitava o tempo e contava histórias. Como esquecer a sua viagem de João Pessoa à Campina Grande, a pé, enquanto a fome lhe dava um nó nas “tripas”, até encontrar a casa do compadre, no meio do caminho? Ali, lhe fora servido o melhor caldo de um feijão que restou na panela e que a cozinheira colocou em prato usado e limpo com pano de prato tão sujo, que até o um pano de chão parecia mais asseado.Como não lembrar das conversas, lições e valores passados como honestidade, honradez, dignidade e, mais que tudo, do cumprimento da palavra empenhada!? Da sua cadeira, eu vi a vida passar em exemplos de solidariedade e de justiça. Vi também o seu ar de dor e perplexidade quando o seu filho, Chico, sofreu um acidente de carro; quando o padre da igreja trouxe notícias do outro filho, Tota, que se meteu em uma encrenca; quando lhe trouxeram a notícia de que seu genro, Sebastião, havia sido assassinado, ao apartar uma briga numa festa de São João e; quando lhe informaram que sua neta, Eliane, havia fugido, para se casar com George, o namorado da juventude.
Na mesma cadeira de balanço espreitei suas negociações com dona Judite, a famosa doceira de Campina Grande, responsável pelo bolo, doces e salgados do casamento da tia Marluce. Ouvi as conversas e os ajustes dos empréstimos aos amigos e a confiança ilimitada: “o fio de bigode vale mais que uma nota promissória assinada”. E sua mulher contrariada a lhe alertar para o perigo dos calotes. No entanto, nada o demovia de suas convicções: “Um homem só tem uma palavra”, dizia. E: “sim ou não!”.
É, Pai Velho, foram tantas as lições aprendidas, que o eco das suas palavras ainda ressoa em mim. E, agora, quando olho para esta cadeira, me perco nas saudades e fico parodiando a letra da canção, “Naquela Mesa”, de Sérgio Bittencourt: “nesta cadeira `tá’ faltando ele e a saudade dele ’tá’ doendo em mim.” Ao tempo em que também agradeço por tê-lo por perto na época da minha formação como mulher e cidadã. Obrigada, Meu Pai!
Juliêta Almeida, cronista, natural de Campina Grande, bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraíba, atualmente mora em João Pessoa. “Reconstruindo caminhos”, único livro publicado, reúne algumas de suas crônicas postadas no blog www.brincarcomaspalavras.blogspot.com. Mulher, mãe e avó, Juliêta, segundo ela mesma, é especialista na arte de chover afetos.
Linda publicação!
ResponderExcluir“ Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia”.
ResponderExcluirÉ com esta frase que começo o meu agradecimento aos editores da revista Ser Mulher Arte e, em especial, a escritora Ivy Menon, por incluir no meio de tantos talentos, uma pessoa que só sabe escrever quando chove saudades no terreno das suas lembranças. Obrigada, Ivy, Chris e Lia Sena! Nesse exato momento, o meu coração exulta de alegria por tamanha reverência.