Azuis como o fogo, cinco poemas de Solange Damião
"Blue Strike, Acrylics on canvas", de Dacanal
ÂNSIA DE AZUIS
Toda vez que olho o mar
sonho ao encontrar-me defronte
de um mistério vasto, sinuoso,
de um mistério íntimo,
onde sons se esforçam por bradar,
por lhe sumirem do inaudível imo
Em frente ao mar eu desatino,
nesse silêncio de quem descortina
a vida da própria alma;
em frente ao mar sou um tu,
a outra parte de mim
a se batizar
Prendo-me a ti,
porque o desatino que me inunda
tem a sinuosidade dos teus traços:
fortes e marcantes
em que me transubstancio
ao mais profundo sentimento sem barragem
nesta ânsia de azuis do meu olhar.
"Mar mãe", de Catarina Machado
ESTA
TARDE
Esta
tarde a brisa toca as árvores e
um amor
envolve as sementes. Se os sons
das
folhas dançassem pelo chão, o caminho
guardaria
o tempo. E se confessasses
o teu
amor eu voaria até a copa
Assim,
refugiar-me-ia em ti – tudo
por ter
desejo de viver, porque o aconchego
que
envolve a minha alma é a única absolvição
em que
acredito nesta tarde sob o calor do teu abraço.
"Campo de trigo com corvos", de Van Gogh
EXATIDÃO
DO AMOR
Descortino
um sonho que,
talvez,
já escapuliu – logo
a minha
espera: silenciosa e,
admirada
pela ocasião. Fado
este que
apenas sente quem
o toca
pela mão – absoluta vida
feita por
complexidão. O amor
surge,
acima de tudo, no desamor
– é
sempre o juízo da morte que leva
a melodia
exata para os meus ouvidos.
"Mistério", de Catarina Machado
TEUS OLHOS: LIGAÇÃO CÓSMICA DO UNIVERSO
Tudo
transformou. Ao final de alguns meses, os meus
dias não
são os mesmos dias – toda
face que
vejo não se aproxima da lembrança,
todo
lugar é um não-lugar. Lembro de ti,
caminharia
pelo corredor do tempo, como viajava
Galileu
de estação em estação. E esforçar-me-ia; mas a
bagagem
fechada sobre a esteira esperava, e eu
jamais
permitiria uma bagagem sem despacho. Foi assim
que tudo
se transformou num clarão – e os meus dias ficaram
nos teus
dias; e toda face que vi outrora
acordou
nos meus olhos que alcançaram
o agora -
ainda que o reverso de mim
não
enxergasse no rastro das estrelas esse universo
de
ligação cósmica dos teus olhos.
sem anotação de autoria
LÁBIOS HIBERNADOS
Os meus
lábios hibernados
assemelham-se
a um Pólo primitivo
ao
regresso dos teus lábios
Porém as
orações desejam regressar ao solo
à chama
do repouso que retém os elos
perdidos
na sua única penumbra
E existe
uma estátua de sal como um mar
que nos
envolve com o seu bramido
à medida
que aves douradas com garras esmaltadas
transportam
as estrelas transluzentes
para a
parte mais profunda do oceano
As gotas
que não derramaste
lacrimosas
fazem
derramar a perpétua angústia do oceano
como
sudário lúgubre
como se
houvesse um ser oculto na face simbólica
do mundo
que em nós existe
Assim é
simultaneamente
o teu eu
e não o teu
aquele
Norte do tempo dourado
que
distante navega.
Sou
Solange Damião, escritora, musicista, educadora, pós-graduada em Linguística
Aplicada da Língua Portuguesa, Literatura Inglesa, Estratégias e Metodologias
do uso da Língua Inglesa e Contação de Histórias, também pesquisadora na PUC/SP
em Literatura Portuguesa. Tenho poemas publicados em antologias e sítios da
internet.
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