Cinco poemas de Ivy Menon - Poesia talhada na dor
Menino Sentado - Portinari |
quasímodo
o menino carvoeiro anda
torto de pretume e fuligem
a buscar forças para o próximo passo
nasceres e pores de sóis
não lhe impressionam
o peso do saco às costas
mantêm-lhes os olhos baixos
o menino de carvão se pinta
máscara cinza que lhe cobre o rosto
não há tempo para sonhos
e desconhece horizontes
arco-íris ou faz-de-conta
o peso vai além dos músculos
quase vasa pelos dentes falhos
e lhe falta fala.
o menino do carvão sabe
o mundo é preto e branco
como o feijão-com-arroz do dia pago
se bem que nos últimos tempos
tem visto estrelas que pontilham o céu
como se lhe apontassem outros mundos
a fuligem no nariz lhe faz cócegas
ele ri para o mundo de estrelas.
Portinari |
titãs
crianças com dentes cariados
olhos fundos
mãos que se estendem no vazio
esperam-me os centavos
para o pão do dia
eu sonho ganhar na loteria
fugir para a europa
a me esconder da sina
todo fim de mês a mesma coisa
salário na conta
e eles
em todas as esquinas
a me invadirem as couraças
esqueço números de bichos
nada sei da sorte
dói-me a desgraça dos meninos
temo pedras
sou vidraça
meus braços não me sustêm
Atlas é apenas um desenho no livro de geografia
***
tão fácil falar de amor
ver o circo pegar fogo
a carne magra in_humana
a beber pedras
animal a uivar labaredas
tão fácil des_dizer o amor
depois de baixadas as lonas
sobre aqueles corpos dilacerados
sobre a crosta que lhes serve de mortalha
basta um minuto de silêncio
genuflexão
mãos postas pelos mortos
:
soterrados todos hão de ser um dia
hóstias consagradas
tão fácil esquecer a história
amanhã lua nova
a escuridão raia o dia
outra atração sobe ao palco
acendem-se os holofotes
o circo tem que continuar
lágrima que desce dos olhos do palhaço
dá-lhe des_ graça
Almeida Junior |
horrores
os homens das minhas vizinhanças
cercavam gado
e jogavam laços no ar a rir-se da presa
e cuspiam no chão
afligiam o solo
com a enxada afiada
e desprezavam suas sementes
os homens da minha época
comiam com as mãos
atiravam pratos pela janela
tinham suas rameiras
e obrigavam as meninas aos bancos de igreja
banhavam-se em água benta
e violentavam a mãe dos seus filhos
os homens da minha lembrança
caíam de bêbados
sinuca de bico
poucos dentes amarelos
e gritos de maldição
os homens que me avizinharam
pobres meninos mortos
matavam mulheres
...
cresci mata fechada
um lago de consciência e dor
meus olhos em perpétua fuga
ouviam Beethoven a inundar a sala
de Vivaldi ansiavam estações amenas
os homens que me assustavam
jamais pisaram meu jardim
Imagem Pinterest |
luto
atrás da porta há insensatos
as paredes têm ouvidos
traição a ordem do dia
os filhos se assustam
temem o futuro
Deus os livre da (in)justiça
frágeis a marchar pelas campinas
atabalhoados
as roupas estendidas no varal
a tremular ao vento
...
o vizinho acendeu fogos de artifício
queimou palhas
sem o saber
ardia
pobre
sua sina crepita
a liberdade manietada chora ao fim do dia
louca para des_obstruir caminhos
***
Ivy Menon é escritora paranaense, advogada, pós graduada em Filosofia e Teoria do Direito, Jornalista e teóloga. Reside atualmente em Aveiro - Portugal.
Obrigada, Lia, pela honra! Estou emocionada com a beleza e sensibilidade da edição !
ResponderExcluirFico feliz que tenha gostado, Ivy; a sua poesia merece!
ExcluirExcelente!👏👏
ResponderExcluirObrigada, Poeta, pela honra. Grande abraço!
Excluir