Meus anos de hikikomori | Marilia Kubota
MOSAICO Coluna 03 – Crônica
Meus anos de hikikomori
por Marília Kubota
Durante três anos morei numa chácara, em bairro nos limites de Curitiba. Vendi um apartamento no centro da cidade. Era uma fase de instabilidade emocional, motivada pela depressão. Não me entusiasmei a comprar um novo imóvel. Uma amiga médica ofereceu abrigo.
A nova casa era o paraíso. Tinha bosque, pomar, horta e animais domésticos. Cachorros, gatos e coelhos conviviam com um cavalo, carneiros e pavões. De noite, grilos, sapos e corujas cantavam, à luz de um céu estrelado, fenômeno raro na capital paranaense.
Nos primeiros dias eu ficava deitada, sem pensar em nada. Já havia internet. Morava no campo, mas estava conectada com o mundo. Eu me relacionava com blogueiros e vários grupos de poesia virtuais.
Ganhei dois filhotes de gato de uma vizinha. Nuitella e Mimi viviam em estado de alerta. Manolo, um labrador, era o dono do pedaço. Quando o avistavam, subiam no telhado ou no limoeiro. Depois de alguns meses de convalescença, consegui sair da cama. Saía para passear com as gatinhas no bosque.
Kristiane Foltran
Aprendi sobre a vida rural. Em janeiro colhíamos uva. Em fevereiro, peras. No fim de abril, pinhões. Em maio, figos. Em outubro, ameixas. Em dezembro, a colheita era de pêssegos. Quando ia pegar alfaces, couve, cenoura, feijão e milho na horta, o jardineiro contava a vida dele na colônia italiana de Lamenha Pequena.
Ir e voltar para o centro era uma aventura. Dez quilômetros na ida, dez na volta, num ônibus quase vazio. Um dia, cansei. A vocação para morar no paraíso era zero à esquerda. Não tinha mais vida social. Cinemas, teatros, museus ? Nem pensar. Consegui um trabalho numa assessoria de imprensa. Foi a gota d`água . As viagens diárias eram um desgaste.
Comecei a pesquisar apartamentos para mudar. Encontrei um, ao lado de um shopping. Uma das gatinhas, com cinco filhotes, veio comigo. A outra foi morar com minha mãe. No ano da mudança, conheci aquele que seria meu companheiro por sete anos.
Antes de morar no campo, eu não suportava barulho. Lá, meditei sobre o silêncio. O silêncio que amava acima tudo. Não poderia continuar cúmplice de eternos espaços infinitos. O companheiro adorava conversar. A gata e os filhotes subiam em sua cabeça calva como se escalassem um limoeiro. Eu ficava feliz por voltar a ouvir motores e escapamentos de carros.
Nunca mais cultuei o silêncio como antes. Convivendo com meu falastrão, fui esquecendo a face hikikomori.
Que bela crônica, Marilia. Adorei!
ResponderExcluirLindo texto!
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