Um conto fantástico de Aidil Araujo Lima

Oswaldo Guayasamín


Quando se perde o caminho

por Aidil Araujo

Aquela mulher atravessou o tempo escorando o corpo nas paredes da casa, sem outro que a desdobre nessa prova do viver continua. Sem conseguir ouvir o vento, vai medindo os dias na privacidade da sombra, alheia ao cortejo da cidade. Só mesmo uma necessidade de importância como essa, a apresentação do filho no teatro da cidade, a fez sair do lugar de conforto. Arrumou o corpo, saiu em descompasso, equilibrando o prumo sobre as pedras do calçamento destratado. Teatro lotado, o orgulho do filho a fez esquecer um pouco do abandono costumeiro. Olhava, sem mexer os olhos, seu filho chegando ao palco, o coração suspirava, quedando em silêncio ao som da música. Coração de mãe ouve mais além, tem pressentimento. Escutou um rangido, não era de instrumento, era de parede, desse assunto ela entendia. O pilar no meio do teatro que dava sustentação ao prédio estalou surdamente, todos distraídos na plateia, só ela antessentiu uma catástrofe, correu manso encostando sua pessoa ao lugar por ceder. A coluna do prédio assentou-se em seu corpo, deslembrou a mente do desassossego se inclinando para a música com alívio. O público levantou-se para aplaudir, ela ergueu a alma em festa, o corpo escorando o ambiente. A partir daí só aparição de sua forma física se apresentava. Ninguém percebeu a situação de leveza em que se encontrava. Abraçou o filho, emocionada. Continuava a vida nessa sina. Na cama o corpo ausentado, o marido era só vontade, ela inventava desculpas, sem caber na compreensão do coitado. Deixou o corpo amparando o teatro, lugar de estreia do filho na música, onde ele encontrara o destino. Meses passaram, quando deram conta da escoriação da pilastra, seguraram-na com madeira, enquanto soerguia nova estrutura. Depois de pronta, desmancharam a antiga. Daí surge um inesperado corpo degenerado, era o da mãe do músico que ganhou fama, celebrizado pelo mundo. Mas como acontece isso, se era ela na casa, quem sabe fosse só a alma penada. Decorreu a cerimônia, descendo o corpo da mulher sete palmos abaixo da terra. O marido desentendido com tanto mistério buscava construir um novo caminho no pensamento, perguntando a si ou aos outros, quem sabe... – O que é a realidade...    
A mulher viu seu corpo enterrado, não mais poderia voltar para casa, seu ato desfalecido foi descoberto por homens alheios a sua realidade, nunca os tinha visto antes. Sem saber para onde, voltou para o teatro, acostumou-se ao cheiro, procurou parede antiga, a nova tinha aroma estranho. Diz o povo desse lugar que o teatro da cidade é mal assombrado. Se mal ou bem não afirmo.       


Aidil Araujo Mora na cidade de Cachoeira, Bahia. Premiada no Concurso literário JUBILEU DE OURO DO TEM, cidade de Mogi das Cruzes-SP, com texto publicado em Antologia. Outras Antologias, Homenagem ao poeta Gonçalves Dias. Recebeu a Menção Honrosa com o conto Resistência do Concurso Literário Cléber Onias Guimarães na cidade de São Paulo. Foi Destaque em Prosa e Verso em poetas Del Mundo. Textos na Revista Philos, publicada na América Latina. Selecionada pelo Mapa da Palavra da Bahia, organizado pela Secretária de Cultura do Estado. FLICA - mesa de conversa no espaço da FUNCEB, com outros escritores, projeto literário PROFUNDANÇAS II, voo audiovisual. Flica 2018.  

     


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