Um texto ficcional de Jennifer Trajano - Conto
Mahmoud Said |
Materno
por Jennifer Trajano
o
moço se perdeu como quem se perde em um parque. pensei isso hoje enquanto ouvia
amor de loca juventude do buena vista
social club, agora volto a pensar. era inevitável. aquele moço foi embora, perdeu-se no parque de diversões e deixou-me sozinha na gigante
roda. nesse momento, perdi o fio de ariadne porque o minotauro era teseu e tudo
estava aqui dentro deste corpo que não sai. ele se perdeu e não esperava que a
mãe o achasse. fugiu, na verdade.
o início?
ah, foi em uma tarde quando saímos há uns anos. ele ainda não havia entrado em
labirinto algum. não o achei tão bonito, era mais novo que eu. não sei como as
coisas vieram parar aqui. como diria chicó “só sei que foi assim” e assim me
fui. a juventude misteriosa no seu olhar “parecia um iceberg”, porém depois
percebi: “era uma baleia branca”. ao me dar conta já havia aberto os porões do
corpo inteiro. o início? eu só queria sexo, mas também não era tão bom.
talvez
nos apaixonemos por quem nossos hormônios pedem mais, independentemente dos
nossos olhos. tenho uma ideia científica sobre a paixão, uma que li nos
artigos. não existe isso de coração, não há amor sem cérebro. eu queria aquele
moço porque pensava nele, mas não sabia se ele em mim pensava. eu já estava
velha, hoje ainda mais. a triste consciência do ego o torna imenso, bem sei.
apesar
de tudo, de toda a carga, eu tinha medo, receio de como o cavalo poderia
influenciar a carroça. eu morria de medo de cair, de sofrer. nunca fui forte o
suficiente como minha tia cícera. talvez por isso não tenha dado certo. nunca
quis ter filhos e seria de risco a gravidez. não sei como isso foi acontecer,
porém precisava tomar uma decisão.
ele
queria que eu fosse jovem e talvez eu quisesse roubar um pouco da sua
juventude. talvez quisesse não, talvez tenha furtado mesmo. mas não sei como
isso foi acontecer. bebíamos vinho às vezes, eu os apresentava a ele. casillero del diablo, nosso preferido.
mal tínhamos assuntos para conversar. ele ao celular e eu na minha, ambivalentemente
calada como sempre soube ser.
foi
um risco, eu não poderia deixar nascer. quem dera tivesse nascido antes. antes,
quando eu era jovem. nasceu, na verdade, eu abortei, mas não era assim que
queria que tivesse sido. e ele foi embora, perdeu-se no parque de diversões.
ele queria um filho, eu não dei. o filho já era ele.
Fotografia por Weliton Castro |
Natural de João Pessoa-PB,
professora de Língua Portuguesa e revisora textual, Jennifer Trajano é autora do livro de
poemas Latíbulos (Editora Escaleras,
2019). Já publicou em antologias poéticas de autoria feminina, a exemplo
de Um girassol nos teus cabelos: poemas para Marielle Franco (Quintal
Edições, 2018) e Senhoras Obscenas (Editora Benfazeja,
2016).
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