Uma colher de chá pra ele - Linaldo Guedes
| uma colher de chá pra ele - 03 |
Poemas do livro, ainda inédito, “Cabo Branco e outros lugares que não estão no mapa”
(Quase
vivos)
há, entre nós, as mesmas sepulturas:
elas foram cavadas para os negros
sacrificados como carneiros
em feiras livres, em sujas senzalas
nossos cadáveres fedem como todos os mortos
como os índios dizimados pelos portugueses
em aldeias que hoje são apenas vitrines
para turistas, para os mecenas do capital
nossos cadáveres morreram nas secas
nos flagelos, nos sertões deles
deles mesmos, os coronéis
eles que cortam os dedos e levam os anéis
nossos cadáveres tentaram atravessar
os anos 60 na paz, no amor
mas foram torturados nas prisões
no submundo da nossa política imunda
nossos cadáveres chegaram ao século vinte e um
recebendo golpe atrás de golpe de bastardos
vestidos de amarelos, de bastardos
furtando nosso amarelo, sendo patos em nossa
chacina diária
nossos cadáveres existem porque foram criados por
eles.
cabe apenas a nós enterrá-los.
Imagem Pinterest
(A cor do rio)
breu:
o cristo redentor finge não saber
de seus entornos
dos cochichos nos morros
de como se cochila
e morre
(nas encostas)
(nos encostos)
do que a mochila esconde
na floresta da tijuca
por trás do corcovado
flanando embaixo do bondinho
caminhando em copacabana
o pivete de chico ainda vende chiclete
mas já não faz salamalaque
: mastiga poemas drummondianos
e só se sossega ao ouvir o funk da fernanda
abreu.
¨¨¨¨
(Ichá)
surgiu
no oitavo dia da criação
no
oitavo século da minha espera
não
como uma mãe de todos os viventes
: como
carne de minha carne
do
movimento que se fez verbo
- eva
que subverte a lógica do paraíso
eva
que desmonta todos meus improvisos
com
seus mistérios e seus silêncios de cruz
com
seus olhares, e sua promessa de luz
como a
lua, guardada em teus montes escondidos.
(De
Profundis)
não há como desdenhar
tua pele, em vigílias profundas
nem como não querer ser
pisado por seus calçados
as fantasias, nem Wilde
epistolou ao seu amante na prisão
é preciso entender que
nossas prisões são outras, porém vermelhas
espalha cantos, orgias
e busca umidades em leitos confinados
busca a mulher que
floresce em voos
criam espelhos duplos
na lingerie.
¨¨¨
Rene Magritte
(Bica)
(para Vinícius Guedes)
jacarés
em
silêncio
ruminando
o bote na natureza humana
leões na
jaula
- presas
da civilização
araras
em voo
para o nada
:
gaiolas de ilusão
macacos
em
saltos graciosos
(bananas
ao homem)
(no
passeio, palmas para os acuados animais
que não
assustam nem as criancinhas).
¨¨¨
Linaldo Guedes é poeta, jornalista e editor. Com
11 livros publicados e textos em mais de trinta obras nos mais diversos
gêneros, é membro-fundador da Academia Cajazeirense de Artes e Letras (Acal),
mestre em Ciências da Religião e editor na Arribaçã Editora. Reside em
Cajazeiras, Alto Sertão da Paraíba, e nasceu em 1968.
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É muito poeta este meu querido! Li, que prazer te reencontrar aqui. Vc sabe o qto sou fã da sua poesia. Cabo Branco é um livro especial de poemas especiais. Estes são apenas uma degustação chique de um variado cardápio de preciosidades! rsss Parabéns, querido. Parabéns, Lia e Chris.
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