Bianca Grassi e sua poesia contundente&dolorida /cinco poemas
Katty Monsmert |
Apenas um homem
a mão dele descansando sobre o meu útero
tem o peso das mãos de gerações de homens
que, como ele,
sempre tiveram as mãos sobre úteros de mulheres
todas as noites ele dorme tranquilo
com uma das mãos pesadas sobre meu ventre
e a outra me tapando a boca
e me pergunta por que ando tendo insônia
com uma das mãos pesadas sobre meu ventre
e a outra me tapando a boca
e me pergunta por que ando tendo insônia
quando ele acorda me pede café
e faço ovos mexidos com bacon
em grandes porções, para saciar sua eterna fome,
e planejo minha vingança de estômago vazio
e faço ovos mexidos com bacon
em grandes porções, para saciar sua eterna fome,
e planejo minha vingança de estômago vazio
ele tem dentes pequenos,
sorriso amarelado
e seu hálito fede
a todas as obrigações que me impuseram
sorriso amarelado
e seu hálito fede
a todas as obrigações que me impuseram
ele diz que quer um filho
pra propagar seu nome
mas que se for filha vai amar tanto quanto me ama
e eu tenho medo que seja verdade
pra propagar seu nome
mas que se for filha vai amar tanto quanto me ama
e eu tenho medo que seja verdade
e eu não consigo escapar dos oito braços que ele tem
e se eu corro as doze pernas dele correm mais
e se eu choro as suas três cabeças me pedem pra sorrir
e se fico quieta as suas mil bocas me engolem
e minha vingança nunca se concretiza
e se eu corro as doze pernas dele correm mais
e se eu choro as suas três cabeças me pedem pra sorrir
e se fico quieta as suas mil bocas me engolem
e minha vingança nunca se concretiza
mas eu sei que ele não é um monstro
ele é um homem
apenas um outro homem
como tantos foram em minha vida
ele é um homem
apenas um outro homem
como tantos foram em minha vida
Fernando Correia da Silva |
Sobre caber
tudo que cabe na minha mão
é meu
e o que não cabe na minha mão
mas cabe no meu peito
é meu também
e o que não cabe no meu peito
mas cabe na minha mente
também é meu
e o que aparentemente
não cabe em lugar nenhum do mundo
sou eu
é meu
e o que não cabe na minha mão
mas cabe no meu peito
é meu também
e o que não cabe no meu peito
mas cabe na minha mente
também é meu
e o que aparentemente
não cabe em lugar nenhum do mundo
sou eu
Imagem Pinterest |
Abandono
A primeira vez que Deus me abandonou eu tinha 2 anos
Ainda lembro do meu vestido de botões florido
E da mão de um homem tapando a minha boca
Minha primeira lembrança.
Até hoje ouço a respiração pesada
A porta do banheiro trancada
E um botão colocado na casa errada.
A segunda vez que Deus me abandonou eu tinha 9 anos
Ainda lembro a vista do cemitério
E a marca da mordida de um homem no meu braço.
Lembro das batidas na janela
Dos gritos, dos vultos, dos sussurros
E de deixar tudo para trás pela primeira vez.
A terceira vez que Deus me abandonou eu tinha 12 anos
Lembro do calor do verão, do uniforme da escola,
E de um homem de capacete num terreno baldio.
A moto ainda ligada, plena luz do dia, o medo
Lembro da grama nas costas, manchas na camiseta branca,
E de correr a ponto de não mais sentir as pernas
Depois disso Deus me abandonou inúmeras vezes mais
Com 13, 16, 17, 20, 26 e até hoje
Todos os dias Deus me abandona um pouco
E quando não me abandona, me faz companhia em silêncio
Só pra ter certeza que meus demônios ainda vêm me visitar.
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Tudo nesse lugar grita por socorro
tudo nesse lugar grita por socorro:
as flores murchas
as roupas no chão
A toalha molhada
O livro aberto no sofá
O copo de água ao lado da cama
O celular no mudo
O computador descarregado
A televisão desligada
A geladeira vazia
O lixo cheio
O espelho sem reflexo
A banheira cheia de más águas
Tudo nesse lugar grita por socorro
Menos eu
Que aprendi a ser forte
E a estar sozinha
Imagem Pinterest |
Eu espero a morte
Eu espero a morte
Eu espero a morte e sirvo um café
Ponho dois pães no forno e ajeito a mesa
Faço carinho nos gatos
Leio uma frase de efeito do meu livro favorito
Falo algumas palavras soltas de alguns idiomas que não domino
Respingo umas gotas de perfume no cabelo e no pulso deixo apenas a veia à mostra.
Eu espero a morte
Sem pressa, sem fuga
Pulmão que enche também esvazia
Coração também é carnificina
Mão que se cerra em um golpe, ou um laço
Vida que é vida sabe que morre
Não interessa o que eu penso, ou o que eu faço,
Eu espero a morte
Um sorriso no rosto
A vida é só isso
O que mais se pode esperar além da morte?
Bianca Grassi é baiana, e cresceu no sul do Brasil. Formada em publicidade e propaganda com ênfase em marketing pelo IPA em Porto Alegre RS, é designer, ilustradora e representante da comissão de diversidade e inclusão da Avast software. Desde a adolescência escreve contos e poemas. Aos 16 anos, teve o seu primeiro conto publicado no livro Algumas Ficções, Editora De Leon. Atualmente mora em Praga, na República Tcheca.
Cada verso, um suspiro. Cada verso, um pulsar. Profundo, dolorido, reflexivo. Lindos poemas! Parabéns, poeta!
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