MEU PAIDEUMA FEITO DELAS: com Nívea Sabino, Simone Andrade Neves e Paula Fábrio
[Nívea
Sabino]
SEM MEDIR
FALA
Digo que
a revolução
será
debochada
Segue
comigo
vai ser
rimada
poetizada
Te
apresento em versos
– a maior
luta armada –
Negra dominando
a fala
e a
palavra
por essa
eu sei
Que cê
não esperava
(fez de
mim escrava)
Filha da…
empregada!
que
procurava vaga
na escola
“fraca”
que não
era paga
Vim dizer
que você fraquejou no plano
de
oprimir a negrada
Lá na
minha quebrada
a gente
rima “favelada”
com”
empoderada”
Sapatão é
as minas
que irão
te mostrar
que seu
“liliu” na mão
diante do
meu “não”
é uma
piada
Ei, macho
alfa!
– Sofre
não! Sofre não…!
Nenhuma
mulher mais
independente
da cor
ficará
calada
enquanto
houver outras violentadas
Violeta é
a cor
que marca
a luta
de
resistência ao roxo
que ocê
deixou
Preta
nagô, nagôôô…
Vamos
dizer do tanto
que
Dandara lutou
Cê acha
mesmo que só barbado
resistiu
ao escracho!?
Eu
sangro!
– Faça-me
o favor!
Não
passará, enquanto eu não passar!
Passar
gritando,
denunciando
o mundo
tosco
que nós
criamos
A cada
uma hora e meia
uma
mulher é morta
Minha
poesia
não mede
a fala
que põe
na cara:
O Brasil
é o país que mais mata:
mulher
preta
transsexual
e viada.
[Simone Andrade
Neves]
ESTORVO
Eu
caminhava por uma avenida escura.
Eu
caminhava por uma avenida escura
E encontrei
uma bola.
Eu
caminhava por uma avenida escura
encontrei
uma bola e chutei-a no ar.
Eu
caminhava por uma avenida escura,
encontrei
uma bola, chutei-a no ar
e ela
caiu no abismo.
Eu
caminhava por uma avenida escura,
encontrei
uma bola, chutei-a no ar, ela caiu no abismo
E ergui o
meu corpo.
Eu
caminhava por uma avenida escura,
encontrei
uma bola, chutei-a no ar, ela caiu no abismo, ergui o meu corpo
e não
consegui mais andar.
[Paula Fábrio]
“(...) Setenta
e cinco anos e alguns detalhes, à primeira vista, imbecis. O atropelo do
motoqueiro num cruzamento do bairro. Suas mãos tremiam e ele repetia, não sei
de onde ele veio, mas pode vir a me processar. O carro já estava meio uva-passa
mesmo. Resolvi não acumular problemas. Mas depois vieram mais detalhes, a
princípio também idiotas, mas depois, não.
O fato é
que, após o último baile, meu pai nunca mais conseguiu memorizar a data de uma
consulta. E isso eu somente descobriria na semana seguinte. Naquele dia, o dia
do telefonema chiado, encerrada a ligação, prossegui discutindo com ele,
tentando me desvencilhar de um impeditivo. O impeditivo de seguir a minha vida.
Ele na casa dele, eu na minha. Mesmo assim eu gesticulava. Os móveis da casa a
me observar. Talvez me repreendessem. Não sei. Mas interposto ao meu raciocínio,
perfurando minha cabeça, reverberava cada minuto do almoço de domingo. Almoço
de domingo, ocasião de coletar pérolas. Pérolas sobre economias necessárias, a
vida do aposentado, a poupança a definhar, o governo e um tal ministro
advogando em prol do arrocho salarial dos velhinhos. Um governo ruim, que eu
não achava tão ruim, ao que ele contestava, espere chegar na minha idade.
Faça-me o
favor, por nada eu queria permanecer ali, em visita à sua velhice. Em visita ao
meu futuro. A relação com os pais deveria ser menos obrigatória. E eu pensava,
onde há amor em mim?”
(trecho do
romance Um dia toparei comigo, p.43/44, ed. Foz)
O poema
de Nívea Sabino encontrei no jornal https://www.obeltrano.com.br/portfolio/da-casa-grande-a-senzala/
O poema
de Simone Andrade Neves em Germina, https://www.germinaliteratura.com.br/2013/simone_de_andrade_neves.htm
Maravilhosa coluna, mulheres e poemas! 🤍
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