Pensar linguagens | Marilia Kubota
MOSAICO Coluna 11 – Crônica
Pensar linguagens
por Marília KubotaPensar sobre leituras. Ler, reler, pensar sobre o lido.
Pensar sobre escritos que descolam do imediato.
A tentação de escrever sobre o imediato é grande. Há um grande público ávido por
consumir o que se desloca diariamente. Este público se alimenta de sensações.
As sensações apelam à percepção emotiva. Os sentimentos aguçados pelo escrito
sensacional são os afetos negativos: medo, raiva, aversão, que pedem reação e
extroversão.
A leitura, reflexiva, é um estímulo à introversão. Difícil é o momento de parar,
recusar o imediato.
O imediato não é agora.
Agora é estar presente.
Agora é reverência: à leitura (pausa para a imersão e desconexão com os ruídos de
comunicação/ondas de entretenimento), contemplação do sagrado que é a existênc
comunhão com tudo que está fora e dentro.
Agora é a sucessão de ontens: o presente não existe, tudo é passado.
O imediato apela ao eu. O agora vê o outro. O eu não existe.
A prova é que só existe em comunhão com o outro.
O mundo não é a humanidade. A humanidade começa em casa.
Olhando para o que não se deve olhar. O eu-outro, um eu que se observa, distanciado de
paixão. Distanciado de paixão ? Um eu frio ? Um eu iogue ou grogue.
Ou não: a compreensão que sagrados são os defeitos. Sagrados são os erros.
Percepção de que o medo, a raiva, a aversão, se não expandidos, também podem ser
sagrados.
Hindus e tibetanos criaram divindades iradas ou destruidoras que não têm viés negativo,
como o demônio cristão.
Solidão, silêncio: quanto maior a distância, maior o desejo de se tornar mais humano.
Um deus que se esconde no alto das montanhas e nas constelações não é o que se encontra
quando se decide voltar o olhar para a frente e ver-se.
Frente e verso, trás e inverso. Parar é encontrar a linguagem.
Ler e desconectar. Escrever e religar.
Desde que a face humana se ergueu do chão tenta alcançar o ponto mais alto.
Este ponto é a linguagem que nasce de silêncios de todos os tempos: um deus.
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