Uma colher de chá pra ele - Armando Liguori Júnior




| uma colher de chá pra ele - 04 |


" (...) Eu sinto e vivo com a poesia e pela poesia."


Armando Liguori Junior

TODO MUNDO LÊ POESIA

O deputado leu um poema.
Não entendeu, e ainda achou despudorado.
Disse preferir os clássicos
(Na certa lê Castro Alves, todas as noites, antes de dormir)
O vereador leu um poema
Não entendeu, e ainda achou inverossímil.
O prefeito leu um poema
E achou precário, mesmo sem entender lá muito bem.
O juiz não leu um poema.
Disse que prefere biografias
Mesmo não lembrando a última que tenha lido
O presidente perguntou
Se esses poetas não tem coisa mais útil pra fazer
Que o Brasil ganharia mais se eles trabalhassem um pouco
O trabalhador não tem tempo para fazer nem para ler poemas
Mas se tivesse entenderia que poesia não é coisa só de se entender. É mais.


FERIDA


A ferida seca confere à pele

Uma camada frágil
Gelo fino, vidro de sangue.
A dor úmida e fresca
Já não persiste
Mas está lá sob a casca
Um faro mais apurado
Sentirá sua presença
Fera enjaulada
Só esperando que a pele se rasgue
Para rugir sua carne



DAS PALAVRAS QUE GOSTO: ESPAÇO.

Gosto, por que espaço dá
Para percorrer a passadas
Por que pode ser no céu e além...
E também num poço ou dentro de alguém.
Gosto por que contém
Qualquer coisa e
Toda espécie de gente.
Por que sempre
Dá para encontrar o seu
Ou simplesmente criá-lo.
Como fiz deste intervalo
Um espaço para espichar palavras.



EMA EMA EMA
Rima fácil também é poema
Pega um tema qualquer
Põe teu barco na página e rema
Se a corrente estiver contra
E o poema não fluir
Faça como peixe na Piracema.
Se entre um verso e outro
Pintar dilema, sem problema.
Sintoniza tua antena
E veja por aí o que vale a pena (e tudo vale)
Não importa de onde venha o sinal:
Viena, Ipanema, Moema,
Itapema ou Barbacena.
O que não falta é tema
Fala de amor ou desamor
Esses nunca saem de moda
Vida, tempo, morte e saudade
São para a poesia como um ecossistema.
Sexo dá bons poemas
Não te critica, não te condena.
Toda mente é obscena.
Se quiser protestar
Contra o sistema
Usar palavras
Contra algemas
Faz sem pena
Quer blasfemar
Blasfema
Deus, fé, razão
Ciência e o diabo
Dão esquema
Rio, mar, natureza em geral
Ema ema ema também
Deixe pra lá teorias e teoremas
Faz o que coração manda,
Quer dizer, ordena
Mesmo com safena.
Só não faça cena!!!!
Brincadeirinha, faça sim.
Faça o que der na telha:
Poesia terrena
Subterrânea
Ou extraterrena
Nenhuma poesia
Aliena
Poesia é sempre plena
Nunca, pequena.


VOLTA E MEIA

Volta e meia
A vida
Em mim
Tateia
O que está
Por vir.
Na sua
Roda
Fia e
Desfia
O próximo
Desvio.
Não teço
Teias.
Produzir
Fios não
Está em
Minhas
Veias.
Ainda
Assim
Aceito o
Desafio de,
Quando
A roca esticar
Ou o tear
Desenhar
Suas tramas,
Não me
Partir.
Já que
Volta e meia
A vida em
Mim tece
A teia do
Meu porvir.



Fotografias por Marcelo Sena (série gotas) e uma aranha.

***

Armando Liguori Junior nasceu em 12 de dezembro de 1964, em São Paulo. Formado em jornalismo pela PUC-SP, e artes cênicas pelo Teatro-Escola Célia Helena.
Trabalha como redator, roteirista e ator em eventos e vídeos corporativos.
Tem três livros publicados; dois de poemas: A POESIA ESTÁ EM TUDO – Editora PATUÁ 2020, TERRITÓRIOS – Editora SCORTECCI 2009 e um de dramaturgia: TEXTOS CURTOS PARA TEATRO E CINEMA (2017) – GIOSTRI Editora.
Participou da antologia RUINAS, também pela editora PATUÁ, em 2020.
Escreveu, adaptou e atuou em diversos espetáculos da CIA OS TIOS (da qual é um dos fundadores), entre eles: DENTRO DO BOSQUE do filme Rashomon de Kurosawa e MATTEO PERDEU O EMPREGO, do livro de Gonçalo M. Tavares.
Atualmente mantém um canal no YouTube (com o nome Armando Liguori), dedicado a leitura poética de diversos autores brasileiros e estrangeiros.




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