Os clarins da banda militar | Marilia Kubota
MOSAICO Coluna 18 – Crônica
OS CLARINS DA BANDA MILITAR
por Marília Kubota
Ir ao desfile de 7 de Setembro era um horror. Já pensava em pesadas botinas, a marcha e a chuva. Chovia quando desfilávamos pela escola. Tínhamos que marchar e cantar o Hino da Independência com a chuva gotejando sob o nariz.
Um dia, soubemos que o presidente Emilio de Garrastazu Médici viria a Paranaguá. A imaginação de criança acreditou. Vimos uma limusine preta passar rápido diante de nós. O presidente só desfilava dentro da limusine ? Imaginei que iria a tantos desfiles pelo Brasil que nem tinha tempo de apertar nossa mão. Para a criança da época era só um presidente carrancudo. Quando fiquei adolescente, soube que a carranca tinha razão de ser.
Como chovia, o uniforme escolar ficava uma lástima. Até era bom, a gente podia voltar chapinhando nas poças d´água. Chegava em casa já enlameada da cabeça aos pés. O melhor momento do desfile era este. A mãe punha a mão na cabeça e mandava tirar a roupa pra lavar.
Nesta época, eu já conhecia a versão apócrifa do Hino da Independência: “Japonês tem quatro filhos / Cada um tem outro pai”. Mas não suspeitava que quando um menino puxava meu cabelo na sala de aula e lascava "Japonês tem cara chata / come queijo com barata" extravasava um preconceito que ele pensava dirigido a mim, e era contra nossa etnia. O preconceito veio da ideia de que os asiáticos representavam o "Perigo amarelo" – expressão que teve origem na Alemanha, no século 19, contra a ameaça do despertar econômico do povo chinês.
Na Segunda Guerra Mundial, depois de se alinhar aos Aliados, o governo de Getúlio Vargas considerou inimigos os imigrantes japoneses, alemães e italianos e seus filhos, nascidos no Brasil. Criou campos de confinamento de japoneses e descendentes no Paraná, Santa Catarina e Pará para isolá-los e retirar seus direitos civis.
A criança ainda não sabia tudo. O menino que vivia puxando meus cabelos era obrigado pela mãe a tirar o primeiro lugar. Caso contrário, levava surra em casa.
Pra mim, 7 de Setembro evoca uma infância confinada. A única liberdade estava nas brincadeiras e nos livros.
(Crônica incluída no livro "Eu também sou brasileira")
Bela lembrança desta data chata pra criançada. Na minha cidade, nos enchiam os olhos com o desfile das armas das forças armadas na maior avenida. Coisas de cidade que já foi capital. Nós, pequeninos, voltávamos quase mortos de insolação, um horror!
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