Para não dizer que não falei dos cravos | Um conto de Fernando Andrade
Coluna 07 |
Um conto de Fernando Andrade
Jogo da Velha
O Voo é um pensamento. O tiro é um pensamento que saiu pela culatra.
John atira por que não sabe voar. Tinha marcas não do destino, mas sim, em seus
braços que eram marcas de jogo. John veio ao mundo tatuado de pequenos jogos da
velha. Para cada amigo que fazia ele dizia, complete. Tinha no seu corpo jogos
perdidos e jogos vencidos. Na hora de morrer farei meu último jogo com o padre,
ele me dará a extrema unção e fará minha última cruz. Para cada três atos que
fazia na vida e que dava certo, pois ele era um azarado, ou não prestava
atenção na vida? Ele considerava a linha do jogo da velha. Na verdade, John
tinha pânico de retorno. Ele quando criança jogando bumerangue tinha horror
quando aquilo voltava. A lei do bumerangue era a lei do retorno, das ações que
voltam para você, do amor que deu e que um dia uma mulher resolve retribuir.
John, portanto, jogava velha na sua pele, pois esta não precisa de bumerangue.
Toda vez que três ações davam certo para ele, coisas realmente importantes que
pesavam na sua vida influenciando-a ou interferindo na vida dos afetos que lhe
demandavam atenção. Ele ganhava seus jogos. Três ações boas eram suficientes
para botá-lo em vantagem contra seus oponentes.
Por isso John uma dia pulou do 10
andar de seu apartamento. Ele viu que todo processo de mentalizar e fazer\
jogar, é um voo. Era afastar-se do mundo palpável e subir para ver tudo lá de
cima. Começou a ganhar o estampido no seu ouvido. O tiro é um pensamento que
sai pela culatra. Nestas horas ele tinha
medo quando uma nova tabela de jogo aparecia na sua pele, e um amigo chegava e
perguntava, vamos jogar? Neste dia ele tinha quase incendiado a casa com um
cigarro que caiu no tapete. Um dia John conheceu a vizinha, e ela meio que
pediu um pouco de açúcar para fazer um doce. Ele tinha uma ação à favor e uma
contra. Portanto o jogo estava no empate, por enquanto. Claro, a cada ação à
favor ou contra, aparecia do nada um amigo com a caneta para marcar cruz ou
bola. Ela bateu na porta e ele atendeu, tão bonita, que ele necessitaria de
um desempate. Mas fazer o quê na frente dela? Uma ação fortíssima que lhe fosse
a favor, e um amigo colocando uma cruz errada no lugar errado. E ele tendo a
vantagem...
Como ia explicar o aparecimento
do nada de um amigo exigindo a continuação do jogo, ainda mais, nas tatuagens.
O voo é um pensamento. Sair momentaneamente de si (narciso de férias)
poderia ser considerado um voo? E dentro deste voo, as três ações conseguintes
poderiam lhe dar um novo vencimento?
Fonte: pixabay.com |
Fernando Andrade, 51 anos, é jornalista, poeta, e crítico literário. Faz parte do Coletivo de Arte Caneta Lente e Pincel. Participa também do coletivo Clube de leitura, no qual tem dois contos em coletâneas: “Quadris” no volume 3 e “Canteiro” no volume 4 do Clube da leitura. Colabora na revista literária Literatura e fechaduracom resenhas de livros e cd’s e entrevistas com escritores, poetas e músicos. Tem dois livros de poesia pela editora Oito e Meio, Lacan Por Câmeras Cinematográficas e Poemoemetria, e Enclave (poemas) pela Editora Patuá. Seu poema “A cidade é um corpo” participou da exposição Poesia agora em Salvador e no Rio de Janeiro. Lançou, em 2018, seu quarto livro de poemas, a perpetuação da espéciepela Editora Penalux. E lançou, no final de 2019, seu primeiro livro de contos, Logaritmosentido, editora Penalux, que pode ser adquirido aqui: https://www.editorapenalux.com.br/loja/logaritmosentido
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