Preta em Traje Branco | Pequenas Prosas Poéticas de Susana Malu Cordoba


Coluna 4



Pequenas prosas poéticas de Susana Malu Cordoba
https://pixabay.com


Se pudesse desaprenderia tudo sobre essa máquina de moer gente,

sobre essa necessidade de produtividade, que não me faz sentir viva.

Se eu ousasse permaneceria inerte beijada pelo vento,

acalentada pelo gorjear dos pássaros.

Se em mim corresse o fio da coragem,

acompanharia a transmutação das nuvens por horas a fio.

Abriria o relicário da infância,

estática deixaria o entardecer cair sobre meus olhos,

e na penumbra me amaria sobre a luz da lua.

Ficaria ali corpo imóvel, imaginando mundos ou nada

Seria feliz na miudeza de existir.


***

O silêncio me pariu

Lembro da vertigem que me acometeu,  logo após meu nascimento.

A boca amargava decepção.

Em meus olhos refletia a lembrança das senhoras de face endurecida

que colecionam derrotas com a elegância de quem carrega  troféus.

Pensei em quantas vezes o silêncio haveria de me parir

para que eu me tornasse essa couraça rígida de mulher antiga.

Eu muda, me questionava se renascer era sempre assim, uma dor?

Será que foi assim com todas elas?

Foi assim com você?

Mulher, fêmea que ainda atende aos estímulos da lua.

É  normal a boca amargar para reprimir a lágrima?

E essa dor seca no peito, passa logo ou a gente se acostuma?

Eu, uma semi mulher que ao invés de me tornar borboleta,

faço o caminho inverso, refaço meu casulo 

e não consigo ver as asas prometidas.

Eu semi mulher, tempestiva,

semi mulher sedenta.

Semi mulher que ainda sonha.

Eu em processo...


***

Essa existência sem cura é tão real quanto a dor.

Eu venho sofrendo de existências repentinas.

A última vez que isso me aconteceu foi hoje pela manhã.

Estávamos todos tomando café quando me percebi,

eu estava segurando uma garrafa térmica

quando notei que não éramos as mesmas coisas,

assim como eu também não era aquele fogãozinho surrado de quatro bocas.

Eu não necessariamente sou esse corpo metódico

que de segunda a quinta, das 8:00 às 8:30 toma uma xícara de café

com dois saquinhos de açúcar.

Eu existo!!! 

E com isso toda a possibilidade de ser outra

que não essa versão medíocre de móveis empoeirados.

Eu estou sofrendo de existência repentinas

e elas deixam sempre uma espécie de sumo 

que nunca me salta a língua,

nunca me rasga a pele.

 Tenho medo de que esse sumo de permissão

me leve a caminhos livres como "pés descalços em terra fresca",

que me leve ao encontro de noites mudas, surdas,

tenho medo de que essa permissão
 
me leve ao total  desinteresse de uma vida anterior


***

Ele me perguntou o que eu queria para aquele dia?

Disse apenas que desejava ser feliz.

E assim o fizemos,  egoístas com olhar de umbigo

criamos novas cores para o domingo que se iniciava.

Mastigamos a miúda felicidade de existir

passamos o dia a bolir daquele amor ainda prematuro,

mas de muitas promessas.


***


Das roupas que me vestem

 Já estava tudo certo: Manhãs ensolaradas, noites acaloradas

e uma duvidosa esperança que me espreitava.

Já estava tudo certo: Novos sorrisos, novas histórias,

corpos quentes, libido…

Já estava tudo certo: Tudo certo, exceto pela mutação,

a troca de pele que ainda não havia me visitado,

o passado ainda me vestia.

Eu, como peça de brechó comprada por engano,

me via num novo corpo em um novo templo, 

onde eu tentava ser,

onde tentava me reconhecer, 

mas o passado ainda me vestia… 

***


Susana Malu Cordoba, 32 anos, paulistana, moradora da Vila Brasilândia mais precisamente do bairro Jardim Elisa Maria. Formada em Recursos Humanos, é diretora do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região e por via desse sindicato atua no núcleo da diversidade racial. É poeta e iniciou seu contato com a  poesia através do Sarau Elo da Corrente em 2016, desde de então vem escrevendo pequenas prosas poéticas.

Instagram: @susanamalucordoba









 

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