Coluna 02 - In-Confidências - por Adriana Mayrinck
O primeiro momento foi de
surpresa, incertezas e sentimentos adversos. Quase um ano se passou, após a
invasão de um inimigo invisível, que não escolhe a quem atacar, mas
silenciosamente, parou o mundo, deixando a vida em suspenso. E conseguiu
atingir a todos, em setores diversos, sem piedade.
Mas não só aumentou o
desemprego, lotou hospitais, levou os profissionais de saúde à exaustão e
desespero, destruiu famílias e distanciou amigos, cancelou o ritmo natural da
vida cotidiana, como também exerceu imensa influência exarcebando a revolta, a violência, o racismo, o feminicídio, entre
tantas outras doenças enraízadas em nossa sociedade moderna.
Nasci no Brasil, construí a
minha história e há quase 4 anos, escolhi Portugal, como segunda pátria. Acho
que sempre me senti luso-brasileira, e sinto-me em casa, respeitando e amando
igualmente os dois países, claro que com imensas diferenças, em minhas perspectivas
pessoais.
E o que mais me tem feito refletir
e também me indignar é a explícita forma das Boas e das Más Intenções conduzirem
uma nação.
Em Portugal, com sistema de
governo parlamentarista, ou seja, o primeiro-ministro e o governo têm o poder
de decisão, enquanto o presidente é uma figura reguladora. Ao perceberem a
ameaça devastando os vizinhos Espanha e Itália, o governo decretou estado de
emergência, confinou as pessoas em casa,
ajudou com subsídios e Layoff, instruiu a população, criou uma linha de saúde
direta específica para o covid-19, massificou os meios de comunicação com
informações de prevenção, diariamente, com depoimentos da primeira ministra e
da diretora do Sistema Nacional de Saúde, além de outras situações e medidas
protetoras.
E no Brasil, com o sistema
presidencialista, e infelizmente, muito mal administrado, ao deparar-se com uma
pandemia, “o eleito pelo povo” tripudiou em cima de especialistas, da
Organização Mundial de Saúde, desrespeitou o seu eleitorado e toda uma nação,
contaminou a população com falsas notícias, ironias, más informações e muita
ignorância. Um desgoverno, que gera e incita à rebeldia e irresponsabilidade. Eventos
lotados, festas, praias cheias, descaso, piadas, e muitas, muitas mortes.
O meu coração luso-brasileiro
divide-se entre a admiração, ao Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, um
professor e um político consciente, preparado, culto, inteligente, humano,
solidário, perspicaz, atuante e extremamente correto e justo. E a indignação,
ao Presidente Jair Bolsonaro, mesquinho, ignorante, debochado, totalmente
despreparado, sem noção política e desprovido de humanismo e talvez, de
inteligência.
Estamos no início de um novo
ano, apesar da esperança, muito ainda tem que se caminhar, a pandemia, apesar
de todos os esforços do governo Português e por rebeldia de uma parte da população,
que insiste ainda em fugir às regras, vê a cada dia o número de mortos e
infectados crescer. Estamos em uma situação pior do que março de 2020 e novamente
em outro momento, ainda mais rígido de medidas restritivas. Mas combatento com
todas as forças esse inimigo e suas variantes, organizando a distribuição dos
doentes nos hospitais, a vacinação, que já começou segmentada por setores,
priorizando os mais necessitados, dando suporte aos lares de idosos com
funcionários, também infectados, apoio em
alimentação e cobertores térmicos à população carente e sem abrigo, entre
inúmeras ações sociais. E principalmente
o controle do ir e vir da população e as instruções de higiene, uso de máscaras
e distanciamento físico, exaustivamente repetidas. E mesmo assim, com o vento gelado do inverno, os dias
cinzentos e a tragédia a nossa volta, uma das maiores preocupações, é o bem
estar de todos, a depressão, a solidão, a falta de perspectiva
financeira, a ansiedade, o desânimo, o cansaço, que começam a ser os elementos
complementares desta pandemia, a invadir as casas portuguesas, nesses tempos
tão difíceis, não são deixados de lado por aqueles que conduzem o país. Estamos
em tempos de eleições, e ainda há canditados às presidencias, criticando o
atual governo. Isso me deixa indginada, um presidente que não foge à
responsabilidade, e podendo descansar e colher os frutos de uma vida bem vivida
e que contribuiu efetivamente para o seu país e além dele, nos seus mais de
setenta anos, tenta uma nova reeleição pois a tarefa ainda não foi terminada
(com louvor), merece todos os meus aplausos e vênias, e para esses aí, que só
fazem blá, blá, blá em campanha eleitoral, deveriam passar uns tempos no
Brasil.
E na outra margem do oceano,
no país onde nasci, e que tenho família, amigos, muitos conhecidos e inúmeras
pessoas do bem, o inconsciente coletivo da indiferença, celebrando não sei o
quê, para aproveitar o verão e continuam, apesar de tudo, reunindo-se em eventos,
praias, lotando as redes sociais com passeios, reuniões familiares e sorrisos,
em paralelo ao lamento crescente a cada dia pelos mortos, o desespero das
famílias e médicos ao assistirem os doentes
agonizando sem oxigênio, sem condições mínimas de tratamento, corrupção e
descaso até na distribuição de vacinas, falta de combate ao caos diário nas
superlotações dos hospitais e cemitérios, a destruição silenciosa e a falta de
respeito à vida, que é assistida pela população que vive esse inferno diário, como
se fosse um filme de horror. Nem quero me aprofundar nas notícias que
acompanho, sobre a destruição da floresta amazônica, da matança dos índios, da
liberação e culto ao porte de armas e matança de negros e crianças, a
impunidade contra aqueles que matam e violentam mulheres, o apoio à falta de
educação e a destruição da moral, da cultura, de tudo o que o nosso país tinha
de mais rico e nobre, a escassez de elementos essenciais à vida e a dignidade enquanto
cidadãos e seres humanos. Mas isso acontece só com os outros.
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