De Prosa e Arte | Quod Nomina - Crônica em Versos para homens que uivam pra Lua e mulheres que adoram Lobos.

 


Coluna 15



Quod Nomina - Crônica em Versos para homens que uivam pra Lua e mulheres que adoram Lobos.

fonte pixabay.com


Era dia primeiro do ano que começava com ausências das mais variadas origens trazidas na herança de um velho ano de dor, luto, contendas políticas, religiosas, muitos desgastes e distância.


Tudo poderia ser apenas o início de mais um ciclo de muita labuta, sem muito brilho, pompa ou circunstância no confinamento dos nossos lares e dos nossos pensamentos.


O prenúncio habitual dos inícios de ciclo de refazimento pessoal, energético e espiritual não estavam tão aparentes como de costume. Havia uma sombra naquele primeiro dia do ano. Uma desesperança, uma certa solidão gritando no íntimo.


A solidão sempre esteve lá de maneira simbólica, mas agora além disso era física. Eu tão habituada às permanências seria obrigada a recomeçar a partir desta inimiga agora palpável. Confesso que ainda estava tateando possibilidades dentro desse novo contexto.


Solidão é algo assustador para quem se encerra em ser gente com outras “gentes”, para quem é uma notívaga inveterada, adoradora da Lua, para quem caminha boêmia versejando e cantando as estrelas.


Mas os primeiros dias de cada ano são sempre capazes de me surpreender. Algumas vezes revelam dejetos, rejeitos, descartes das minhas superações ou ainda quando sorridentes chacoalham do fundo do meu pote de esperança aquele cadiquim de açúcar decantado.


Sou alguém com sorte, penso. Apesar dos dissabores vividos no ano finito e ainda sorvendo do rescaldo dessas mazelas recebo recargas de satisfação para novos encontros: a delícia em ser vista, ouvida e apreciada nos detalhes. Aquele olhar tímido pedindo licença para chegar, respeito pelo espaço cedido, fluxo de troca e aprendizado, ora professor, ora poética, ora busca distribuindo e sorvendo encantamento. Essa chegada tinha aroma: Sândalo e Flor-de-Laranjeira.


Às vezes silenciando ideias... outras e excitando fontes de saber. Confesso que durante esse passeio me distraí muitas vezes, te manter no foco me levou a outras paragens... outras passagens. As palavras, sempre estas que me consomem, quando ditas e escritas versejadas não entendem limites ou censura. Elas se chocam, se conectam, se afastam, se aglutinam e são crescentes. Eu observadora que sou, caminhei no seu bailado. Daí pude perceber no sensorial, todo meu Universo sensível sendo entalhado em suas palavras que acolhem como abraço-afago ou que impetuosas estapeiam nossa vã certeza de saber.


Penso que muito de mim desconheço outro tanto está em construção*. Trocar afeto no vão das palavras é religioso, é sacerdócio… aquela sexta-feira primeira do ano tinha tudo para ser atípica, sombria e difícil, mas a tua chegada, as tuas palavras foram leves, certeiras e humanas. Fez uma total diferença nesses dias que seguem ligeiros. João Gilberto cantou os conselhos da vovó: "dizer que não pra Lobo, que com lobo não sai só"



Misto de curiosidade, afeto e luxúria 

Pedaço de encanto e medo


Qual a amplitude de um desejo?

Quanto tempo leva pra nos aplacar?


É a ânsia de chegada e o recuo

É o obscuro e o clarividente


Sopra brisa e troveja tempestade 

O profundo da floresta e a clareira 


Gargalhada e uivo no eco da minha morada

Silêncios profundos, olhares cortantes.


E "pela estrada afora, não vou mais sozinha"



Podia ter sido só um comum dia primeiro do ano. Mas foi a certeza de que caminhos só se fazem passo por passo. Que histórias florescem todos os dias no pé das incertezas ou nas raízes de Flamboyants. Que afeto é merecimento e construção. Sim, este afeto que desejamos.




*em Dissonâncias,p.79. Infinito Rubro-Carmim de Guiniver, 2019. 






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