Preta em Traje Branco | Fotopoesias encorpadas de Susana Malu Cordoba
A foto marca o início, a descoberta da palavra. Foi ali que toda uma vida anterior se esvaiu por entre os meus dedos. Discreta e invasiva a poesia marcava esse corpo de carne e ego.
Primeiro, consumiu meus olhos, no espelho e nas fotos passei
a carregar novos olhos que não os meus,
os olhos antigos foram arrancados e me deram esses de presente, esses que se
prendem no horizonte e sem motivo algum se perdem no amontoado de casas sem reboco.
Depois me arrancou a voz, mas não toda a voz, me arrancou aquela voz antiga precoce que antecede a dor, também me tirou a pele... essa roupagem talhada de estigmas.
Invasiva a poesia vem
e me imputa novas vestes e a pele de hoje é tão frágil quanto a certeza de que
um dia ensolarado é um dia feliz.
Agora ela deu de mexer com minhas mãos essas que até ontem
eram mãos de trabalho, mas que hoje se revolta... se rebela, sinto que perderei
minha mãos da mesma forma com que vi se perder aquela mulher de blusa florida
na foto.
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Algumas de nós não poderão ser domesticadas
E as essas talvez reste um certo silêncio
Desses que ainda não é solidão
Mas que se toca com demasiado cuidado
De longe elas parecem espelhos d'água e por isso causam medo
Há algo ali que se rompe
e quando retorna já não é o mesmo
É como se elas carregassem o ininterrupto espanto de existir
Algumas de nós não poderão ser domesticadas
E a elas talvez reste um olhar desconfiado
por que sendo bicho, ainda não é mulher
e a dor às vezes
cega
Algumas de nós não poderão ser domesticadas
Mas sendo quase mulheres poderão ser atrizes
camaleoas no
cenário da vida.
Algumas de nós não poderão ser domesticadas
e também não serão camaleoas
essas costumam ser as que queimam de amor ou desamor,
elas queimam simplesmente
por existir,
Loucas, subversivas, indigestas
E contrariando a eles... os donos de tudo
Ficarão para sempre na história,
um dedo na ferida do patriarcado.
Susana Malu Cordoba, 32 anos, paulistana moradora da
Vila Brasilândia, mais precisamente no bairro Jardim Elisa Maria. Formada em
Recursos Humanos, é diretora sindical do Sindicato dos Bancários de São Paulo,
Osasco e Região e por via desse sindicato atua no núcleo da diversidade racial. É poeta e iniciou seu contato com a poesia através do Sarau Elo da Corrente em 2016. Desde de então vem
escrevendo pequenas prosas poéticas.
Foto por @soniareginabischain (Instagram)
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