De Prosa & Arte | Vanusas, Bethânias, Marias e Calcanhotos pra alçar voos.

 


Coluna 19

Fonte: pixabay.com


Vanusas, Bethânias, Marias, Paulas e Calcanhotos pra alçar voos.

Traçando uma linha do tempo, entre um acontecimento e outro, elas criam um marco do que foram até ali e como seguirão adiante. Trafegando dois opostos: a inconstância e a certeza, aquilo que é delas e o desconhecido. O inócuo e o nocivo, o vazio e a abundância, o sacro e o profano. 


Estão em transição, oscilantes entre a expectativa e a realidade e às vezes os dois se confundem. Vão assim contrariando as estatísticas,  transgredindo as regras,  agindo fora do padrão,  porque a inércia as entedia e a rotina as enjoa. 


Elas se lembram do chiado da vitrola: "Hoje vou mudar / Vasculhar minhas gavetas / jogar fora sentimentos e ressentimentos tolos / fazer limpeza no armário / retirar traças e teias / e angústias da minha mente / parar de sofrer por coisas tão pequeninas / deixar de ser menina / pra ser mulher”. (¹)


Quantas coisas foram abandonando no caminhar incansável da vida. Quanto de si deixaram na ânsia dos 15, na rebeldia dos 18 e na onipotência dos 21 e quanto foram absorvendo neste passo apressado dos anos. Ciclando cada fase "enta" que adentraram.


Outra vez as vejo reiniciar, apertar o play. Parecem renovadas, maduras, e com as almas tão jovens ainda. Então que seja. Num ano árduo, trabalhoso, onde estiveram envolvidas em muitas frentes de batalha, cara a cara com diversas escolhas e a cada uma delas fizeram avaliação. 


Não são de abandonar boas ideias, novos amigos, novas relações profissionais. Fazem de tudo um pouco e se confessam exaustas, hora ou outra, ainda assim seguem o caminhar turbulento dos desafios pessoais, emocionais e profissionais. E assim crescem...


Abrem espaço na agenda, na vida, no tempo escasso para serem o que desejam: Livres!
Porque a alma e o corpo anseiam liberdade. Elas florescem, desabrocham, dão “restart”, são restauradas. E a cada ano, tomam novos rumos e deixam pelo caminho tudo que está fraco, roto e desgastado.


Agradecem a quem tem a paciência de vê-las recomeçar, lhe dão colo e apoio quando se intimidam, esmorecem ou desistem. Aos que tomam outro rumo em julgar seus reinícios difíceis para a adaptação, compreendem e lhes desejam sorte. 


De todas as lágrimas que salgam seus rostos por qualquer que seja o motivo, nomeiam de superação. Um sorriso, um olhar, um abraço podem lhes salvar a vida. Então além de recebê-los, gostam de distribuí-los.

Avaliam cuidadosamente que um problema é só um problema e que toma proporção em escala aumentada pelas lentes que sabem que necessitam trocar de tempos em tempos. E toda vez que começam a eclodir com suas mazelas pra fora da casca, cuidam de tomar 2 ou 3 passos de distância para entendê-las e solucioná-las. Porque é "preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter sonho sempre." (²)


Sabem da unção que as circundam, pois abriram seu Ori/sua consciência pra receber o Sagrado. Então, levam e entoam mentalmente como um mantra a Voz de Bethânia: Eu tenho Zumbi / Besouro / o chefe dos tupis / Sou Tupinambá, tenho os eres / caboclo boiadeiro / mãos de cura / morubixabas / cocares / zarabatanas / curares / flechas e altares / a velocidade da luz / o escuro da mata escura / o breu, o silêncio, a espera / eu tenho Jesus, Maria e José / todos os pajés em minha companhia / o menino Deus brinca e dorme nos meus sonhos / o poeta me contou / não mexe comigo / que eu não ando só /  eu não ando só / eu não ando só / não mexe não”. (³)

Aprenderam que "qualquer maneira de amor vale a pena, qualquer maneira de amor valerá"(⁴) e amam. Amam intensamente e entregam o amor como presente, como bênção... porque seu amor é doce, criativo, entusiasta. Amam músicos, atletas, matemáticos, praieiros, os brisas, os literários, os sérios, os intelectuais, os politizados, os manifestantes, os de cara limpa e os de verbo rasgado. 


Seus trejeitos às vezes são toscos e arrancam gargalhadas. Noutros momentos seus lampejos de correção são chatos, bruscos e complicados. Se fazem de artistas, são curiosas, botam tudo a perder por sua intensidade, são olhadas muitas vezes através disso, ainda assim tem seus freios, seus deslizes, seus traumas, suas enrascadas.
Mas não têm medo de demonstrar às claras ou às avessas seus disparates motivados pelos vulcões ativos que trazem dentro do peito. Elas têm Senhas como a Adriana Calcanhoto: 


Eu não gosto é do bom gosto / Eu não gosto de bom senso / Não, não gosto dos bons modos / Não gosto / Eu gosto dos que têm fome / dos que morrem de vontade / dos que secam de desejo / e dos que ardem”. (⁵) 


Elas ardem porque descobriram seus ciclos a cada lunação. E expandiram seu sextos sentidos. Se dedicaram a colecionar conhecimentos acadêmicos, empíricos, desenvolveram com excelência a filosofia, as Artes, as ciências, e diferente de quem tentou as tolhir, não se amedrontaram em dividir e mediar suas aprendizagens. Sabem que educam, edificam, plantam semente-sonho, sem se preocupar com a colheita mas, esperançando boas safras.


E quando descansam de longos projetos e de suas missões cumpridas. Antes de deitarem nas redes do merecido e sublime refresco, estendem a mão direita para as outras que caminham a mesma estrada. A mão esquerda vai ao alto punho em riste, apontando progresso.


São aguerridas e também tem seus Esquadros:


“Eu ando pelo mundo / Divertindo gente / Chorando ao telefone / E vendo doer a fome / Nos meninos que têm fome / Pela janela do quarto / Pela janela do carro / Pela tela, pela janela / Quem é ela? / Quem é ela? / Eu vejo tudo enquadrado / Remoto controle” (⁶)

Pra elas está tudo fora de controle, nas ordens que foram ditadas por tiranos, não se quedaram... elas fizeram armas, armadas de livros até os dentes, agora elas só querem alçar seus voos. Não há quem possa lhes cortar as asas. Agora elas são Kanonis - pequenos pássaros.

E nós, aprendizes e observadoras as saudamos por nos ensinarem tanto, deixando pra cada uma de nós, a Educação humanizadora como herança.

Trechos de Músicas: Hoje eu vou mudar de Vanusa (¹)

Maria, Maria de Milton Nascimento (²)

Carta de Amor de Maria Bethânia (³)

Paula e Bebeto de Milton Nacimento (⁴)

Senhas (⁵) e Esquadros (⁶) de Adriana Calcanhoto






Comentários

  1. Crônica imersa em sentimentos intensos, vibrantes, cheios de sede, fome e fúria. Ela está viva e alimentada pela água da tormenta.

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