Para não dizer que não falei dos cravos | Quatorze poemas de Pedro Cardoso Neto

 

Coluna 14

Quatorze poemas de Pedro Cardoso Neto


SILÊNCIO


escuto a moto
secante
a cento e vinte
tentando ultrapassar
o vírus
o medo
de morrer de
amar


*


MULHER


meu sol interno
lua
se chama no inverno



*



DOR FÍSICA


saudade tenta
me trespassar
como aquela borboleta
não entende vidro
e se choca
com o ar



*



TESÃO


agora vou florir
minhas quatro da tarde
almoçar
fora da hora
eu nem sei se
fome eu tinha
tenho mesmo é
um tesão
de partir o dia
com o arroz
que eu amo tanto
e amor meu
só com feijão



*



GAROA


dia frio
chuvoso
um vento
vesti vermelho
só pra ver se
melhoro
deste bom-comportamento



*



ON THE ROAD


nem bem no
caminho do meio
mas sempre
no meio do
caminho
a gente sempre
se encontra


sozinho



*



PAYBACK


tem uma náusea velha
estacionou no
piloro
sempre que tusso
ela me dá um
soco
e uma dúvida
se respiro se
relaxo
se devolvo à
manhã
o café da manhã




Yuri_B por Pixabay.



HORA ÍNTIMA


na hora
pede pra me sedar
e se der
errar a dose



*



EN PASSANT


lá vai meu irmão
as costas curvadas
carrega
o peso do mundo
mais nada



*



AFETOS


acordei nublado
devagar
nem tanto ao norte
abri bem os olhos
e amanheceu
aquele céu
azul-domingo
sem nem um
pingo
de outro azul



*



SAUDADE


é igual futebol
quem faz falta
acaba fazendo gol



*



PRIMEIRÃO


finalmente um
cor de rosa
salmão
raia lá no horizonte
esses dias nublados
amanhecem
sem que amanheça
direito
faltando aquele
primeiro raio
o segundo
e o terceiro
não falta luz
faz falta porém
o nervo
daqueles fótons magrelos
perfurando as neblinas
luminando
nossas arestas
redondai esquinas



*



TOM MAIOR


cantarolando um blues
viajando na
janela na
poesia concreta
dos prédios da
cidade enorme
maior, só a
poesia secreta
da montanha a
cavaleiro de tudo
do céu
deste sol azul
recriando a luz
do mundo



*



HUMANO


estando demais
mais pesado que o ar
tente não estar




 Elena Arboleda Salas por Pixabay.




Sou Pedro Cardoso Neto, e nasci em Belo Horizonte, em 22 de março de 1958. Sou tradutor de inglês, e trabalho com comida viva. Comecei a escrever poesia com oito anos, mas só fui ler e estudar poesia depois dos trinta e tantos. Publiquei meu primeiro livro, Meu Amor por Ela, em 2019, e os outros dois, Zenza Blues e A Voz do Rio, em 2020.


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