De Prosa & Arte | Pelo Centenário de Paulo Freire
Hoje me ocorreu contar de uma experiência pedagógica que tive em terras mineiras (minha terra natal ancestral), precisamente em Belo Horizonte, adentrando o ambiente Universitário da UFMG:
"Seguimos num grupo de docentes congressistas para ouvir palavras de aprendizado e acalanto da nossa alma educadora, trocar vivências pedagógicas e nos afinizar com as ideias de Paulo.
Nessa ocasião, tive oportunidade de reconhecer a força motriz dos povos nativos, nossos irmãos indígenas, caboclos, curadores, da força primaz do verde e da terra-mãe num lindo Toré. Eram Pataxós Hã hã hãe, Guaranis Mbya, Maxacalis e Xacriabás. Naquele rito circular sob manifestações indígenas de liberdade a presos políticos, se via a intenção de manter a resistência contra a opressão que limita o povo da terra, os originários. Num dos líderes indígenas, relembrei um tio, já falecido, do qual não pude beber a passagem-morte. Tudo nele lembrava seu jeito. Como mover o corpo, sorrir e olhar. Não pude deixar de observar, isso me emocionou deveras.
Em seguida, o toque do Moçambique (Congada), o rufar dos tambores, ecoando vozes negras e o chocalho ritmado dos passos marcados, arrepiaram e me levaram às lágrimas. Um lindo cortejo absoluto e inclusivo, que também renova minha energia primaz. Ali estava posto o desejo de manter o punho em riste por nenhum direito a menos e nenhuma causa de luta apagada. Indígenas, Negros, Quilombolas, Tatás e Ialorixás. Aos gritos de Marielle Presente e Rafael Braga Livre! Lembramos Freire.
Ando mesmo muito afetada por uma série de questões que envolvem minha busca pessoal de crescimento profissional e humano. Ver o espaço educativo ocupado pelos meus, renova minha esperança de maior ocupação nos lugares de prestígio e liderança, mantenho os olhos abertos e carrego meu vermelho rubro. Recuar e esmorecer não é mais possível, de posse do conhecimento humanizador, progressista e emancipatório.
Daí, lembro minha avó negra índia que me ditava ou soletrava palavras difíceis com seu pouco estudo, mas muito conhecimento vivenciado. Minha vó preta, pura pajelança e griotagem. E como essa força me levou até ali, num ambiente acadêmico. Universidades ainda são pra mim lugares assustadores, uma sensação de não pertencimento. Mas sei que preciso existir ali e levar narrativas dessa construção negra que tenho produzido.
Junto aos colegas congressistas ansiamos o diálogo com Paulo, que fomos buscar através das ideias de M. Arroyo. Quebrando protocolos, o que seria uma mesa solene, se perfez numa sala de estar, onde o reitor negro trouxe Freire, e sua luta pela alfabetização de adultos, em sua simplicidade nos contando que em sua tenra idade havia ensinado sua mãe a ler, para dar-lhe o poder de trocarem cartas/escritos de afeto e encorajamento. Hoje, a frente da Universidade refazia mentalmente os caminhos de estudo de sua matriarca.
Freire também chegou nas palavras de sua esposa Nita, fã e organizadora literária, cuja autoestima reaviva o eu mulher. Sim, ocupamos! Nos refazemos, somos fluxo contínuo de conhecimento.
Em posse do desejo de troca humanista, seguiu o baile pelas palavras da linda professora Analise Silva, negra de voz branda e diálogo franco, cuja apresentação do convidado tornou-se sincera, poética e poderosa reminiscência. Recebemos o palestrante M. Arroyo, tendo sido mencionado pelo livro Passageiros da Noite, causa do nosso estudo e reflexão.
Neste livro, Arroyo dá voz aos oprimidos e nos diz que nada do que escreve deve ser prescrito como bula ou modelo, nos provoca a buscar no original Freire, estimula a seguir acautelados da vaidade do tudo saber.
Em terras mineiras, recebendo a unção das palavras dos mestres. Sob as bênçãos de Freire, na quebra de protocolo de estudante ou intelectual, no meio das minhas pirações poético-pedagógicas, deixe-me ir. Educar e aprender é caminho... Livre Passagem!
O espaço acadêmico é também meu espaço de saber, preciso retomar sem medos essa trajetória. Na mente só ecoa: 4P (Poder Para o Povo Preto e Paz).
Nos livros me livro, versejando palavras e reflexão, sinto todos em trânsito... passageiros da noite e do dia seguimos em construção político-pedagógica e social."
Um Viva a Paulo Freire!
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