Minha Lavra do teu Livro 01 | "ASSIM NÃO VALE", de NOÉLIA RIBEIRO, por Nic Cardeal



Minha Lavra do teu Livro 01 
– resenhas afetivas  

"ASSIM NÃO VALE": 

A MAIS VALIA DA POESIA!


ASSIM NÃO VALE, o novo livro da poeta NOÉLIA RIBEIRO (Editora Arribaçã/2022) chega-me às mãos como uma rajada intensa de realidade interpretada com enorme perspicácia - mesmo quando o imaginário a pincela lá e cá das tinturas próprias do 'fazer poético' - de forma que não há como ficarmos alheios aos sentidos, sentimentos e emoções que ultrapassam para as entrelinhas da palavra. Não há como negar: ao lermos Noélia, Gaston Bachelard ecoa: "a linguagem poética, quando traduz imagens materiais, é um verdadeiro encantamento de energia"!

Noélia nasceu para a Poesia (sim, maiúscula!), porque possui nas mãos - tanto as que seguram o lápis, a caneta, ou percorrem o teclado; quanto aquelas 'mãos da alma', que procuram no imaginário [e encontram] os exatos sentidos das diversas dimensões poéticas - aquelas inerentes aos melhores operadores da palavra! 

Sim. Ela sabe como dizer do cotidiano, das dores do cotidiano, dos amores da vida real ("Eu já disse que não há amor por aqui."), e da vida ideal ("Branca de Neve acreditava na magia das fadas,/ na dulcíssima macieira, na retidão do caçador."), das incongruências, dos paradoxos, e dos percalços do caminho ("A TV aponta milhares de mortos pelo vírus."), porque Noélia é daquelas Mulheres praticamente esculpidas em poesia! 

Há realidade nua e crua na poesia de Noélia. Também há reflexão filosófica sobre a existência. E o olhar atento, fora do espaço e do tempo, que perscruta mundos outros pelo 'telescópio ultradimensional' da intuição poética - por onde [o mesmo olhar] ultrapassa as fronteiras da consciência e alça voo rumo àquela peculiar 'liberdade entre mundos' somente sentida pelos Poetas!

Noélia se visita na quarentena: "Encontro-me diante de mim./ Há muito não me visitava.". Conhece a linguagem do amor, "dos amares", dos amores; reconhece aqueles que se camuflam em "alazões", mas violentam as amantes - e alerta: "Quando deles emerge o monstro/ de gigantescas patas que nos violenta/ o corpo e a humanidade,/ ninguém acredita em nós." Possui destreza na narrativa, tanto como protagonista, quanto como personagem do 'filme' que se desenrola no imaginário do leitor. 

Há resistência inerente em suas veias, nos veios por onde desaguam seus versos, embora impossível ao leitor deixar de sentir suas tantas dores (desvendadas no decorrer das páginas): as dores dos sentimentos, as dores das memórias, as dores do outro (que lhe doem como suas, pois não passa neutra a palavra diante dos opressores do mundo!). Porque "viver não tem nome próprio", viver são todos os nomes ou ninguém - um viver originalmente plural, ainda que em modo 'mute': "eu/ tu/ ela/ nós sem/ voz/ ELES". E, sabemos bem, mesmo quando sem palavras, os poetas são 'pescados' por elas - as palavras: anzóis dispersos pelo limbo, à espera da 'presa':

"Não tenho palavras. Nunca as tive.
Soberanas, elas me têm. Atiram-se à minha frente
e desviam minha atenção no trânsito. 
Tergiversam. Vaticinam.
Regozijam-se de meu tormento.
Espalhafatosas, subvertem minha atração
por elas com seus piripaques e faniquitos.

De madrugada, despertam-me 
aos sopapos, sem pena:
Levanta! Endireita-te!
Vai fazer poema!"
(*)

[(*) "Lexicocracia", Noélia Ribeiro, in: "Assim não vale", p. 80]

Sim. Assim não vale traz consigo a 'mais valia' - o aumento do 'valor' do bem maior de Noélia: a Poesia! Afinal, já disse Bachelard: "Uma realidade iluminada por um poeta tem pelo menos a novidade de uma nova iluminação"!

(Nic Cardeal)


Três poemas de ASSIM NÃO VALE:


Diferença lunar

Vai.
Leva os ternos, as taças, os quadros,
os papéis, as aplicações e as explicações;
tudo que me desconstrua. Não me
completa quem não olha pra lua.

[p. 30]

*

Poema corrompido

Não me permito mais lançar um poema ao céu,
a fim de acelerar os batimentos do coração. 
Marias e Clarices não me compreenderão.
Optei por um poema hermeticamente cínico,
que saia do êxtase para o estado mínimo. 

Nada de prazeres de esquina em esquina. 
Nada do amor de Lennon entre mim e ti.
Nada de mimimi!

Falo à revelia dos que gostam de me ouvir.

[p. 44]

*

Folha em branco

O poema não vem
Rabisca seu trajeto de invisibilidade 
A ideia metafórica 
O movimento das rochas
As querelas entre rio e mar
As vogais de nossos corpos sobrepostos
O poema quer ficar sozinho
O poema tolera-se

[p. 63]

*

fotografia do arquivo pessoal da autora 

NOÉLIA RIBEIRO é natural de Recife/PE e reside em Brasília desde 1972. Começou a escrever com 9 anos, quando morava no Rio de Janeiro. É graduada em Letras pela UnB, pós-graduada em Linguística pelo UniCeub, aposentada como Taquígrafa Revisora da Câmara dos Deputados.

Participou da 'Geração Mimeógrafo' com os poetas Nicolas Behr e Paulo Tovar, o cantor Renato Russo e a turma do grupo 'Liga Tripa'. Noélia é personagem de um poema de Nicolas Behr, cujos versos preencheram a melodia da música 'Travessia do Eixão', do grupo Legião Urbana.

Também participa de várias antologias brasileiras, como, por exemplo: 'Trinta Anos-Luz - poetas celebram 30 anos de Psiu Poético' (org. Aroldo Pereira, Luis Turiba e Wagner Merije, Aquarela Brasileira/2016); 'As Mulheres Poetas na Literatura Brasileira', vol. 2 (org. Rubens Jardim, edição do autor/2018); entre outras.

Tem poemas publicados em jornais, revistas e revistas eletrônicas (Mallarmagens, Germina, Acrobata e InComunidade, etc).

Em 2017, recebeu o 'Prêmio FAC - Igualdade de Gêneros na Cultura' (Secretaria de Cultura do Distrito Federal); integrou a exposição 'Poesia Agora' (Caixa Cultural, Rio de Janeiro/RJ); e foi homenageada no 'Salão Nacional de Poesia Psiu Poético' (Montes Claros/MG).

Em 2019, participou do projeto 'Vitrine Literária' (Sesc de Brasília); dividiu o palco com o poeta e agitador cultural Aroldo Pereira, no recital 'Aos Vivos' (São Paulo/SP).

É membra da Associação Nacional de Escritores (DF) e da União Brasileira de Escritores (RJ). Integrante do Coletivo Feminista Mulherio das Letras.

Produz as lives A Fim de Poesia e A Fim de + Poesia, no Instagram - @noeliaribeiropoeta -.

Livros publicados: Expectativa (edição da autora/1982); Atarantada (Verbis/2009); Escalafobética (Vidráguas/2015); Espevitada (Penalux/2017); e Assim não vale (Arribaçã/2022).


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