A POESIA IMPACTANTE DE DIVANIZE CARBONIERI | PROJETO 8M

fotografia do arquivo pessoal da autora 

8M (*)

Mulheres não apenas em março. 
Mulheres em janeiro, fevereiro, maio.
Mulheres a rodo, sem rodeios nem receios.
Mulheres quem somos, quem queremos.
Mulheres que adoramos.
Mulheres de luta, de luto, de foto, de fato.
Mulheres reais, fantasias, eróticas, utópicas.
Mulheres de verdade, identidade, realidade.
Dias mulheres virão, 
mulheres verão,
pra crer, pra valer!
(Nic Cardeal)

Sinta na pele a poesia impactante de DIVANIZE CARBONIERI:


TRAMELA

deus dá o discernimento
e o desatino
o talento e o desânimo
desanda o touro
adianta o domador
deus abandona a matilha
deixa abater a mãe
a ninhada tomba à mercê
dá sem merecimento
minora os mansos
aumenta os dias dos maus
deus tira o mais amado
de quem amou melhor
aquele que maltrata permanece
tendo a quem atormentar
deus é a tramela que impede
o padecimento de ser atenuado
mas permanentemente se pede
sua intercessão e destrançamento

(* poema do livro Entraves)

capa do livro Entraves
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MELODIA

muito que eu amei
como se animada
por uma mania
e compunha notas
de uma melodia
bem descompassada
cabeça no plexo
contava apressadas
batidas cardíacas
peito acelerado
um tórax acústico
cortando o silêncio 
do aposento escuro 
hoje esvaziado
o leito dessa ópera
sinfonia muda
suspendido o pulso
assentada a pausa
a ausência ressoa
sem o sopro alheio

(* poema do livro Grande depósito de bugigangas)

capa do livro Grande depósito de bugigangas 
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MÁGICA

a sílaba passa encilhada
uma única vez pela página 
em cima dela a sela espera
a poeta cismar com cenas 
imagens plenas de vestígios 
miragens cintilantes em âmbar 
visagens que valham o empenho
a pena de empunhar o sabre
e desembainhar essa lâmina 
temperada por intensa ira
olhos preparando a cilada
para capturar o inimigo
velho conhecido pavor
ser tragada por redemoinhos
a gigantesca labareda
vai tingindo de vermelho 
todo o cimo dessa montanha 
um mero vacilo é letal
versos arrastados no vácuo
certezas sendo solapadas
engole-se uma cibalena
enquanto se soletra a mística 
se enuncia a expressão mágica 
que sancionará o milagre
ou resultará vã ou inócua

(* poema do livro Grande depósito de bugigangas)

imagem do Pinterest 
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TURMALINA

mar revolto
mar envolto
de luto
e luta
lança ao mar
a morta
a viva mira
a turmalina
à tona
do mar turvo
tumulto
das olas do mar
tragando o tronco da morta
as marolas lavam
lambem a lã na testa
o último toque
à vista da viva
mareja o olho
lacrimeja a pálpebra
ao longe avista
a costa pálida
capitaneia o espírito
de quem viverá
livre um dia
mareada
margeada
por empecilhos
marginalizada
mas maravilhada
alada lá no alto
até que atocaiada
emboscada
executada
transmutada
em tantas mais
marias meninas mulheres
tantas outras elas
apelidadas marielles

(* poema integrante da antologia Um girassol nos teus cabelos - poemas para Marielle Franco)

capa do livro Um girassol nos teus cabelos 
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LINHAGEM

que faziam nossas bisavós com as ideias
que lhes surgiam e da sua ânsia por ciência
as bisavós tinham doze quatorze filhos
e muita faina para fazer utensílios
não conheciam preguiça nem escapadas
muitas delas estavam mesmo escravizadas
sem ter poder de decisão sobre os seus dias
o que foi feito do trabalho daquelas tias
custa se desprender da própria linhagem
mas seccionar os laços é o que tanto urge
nossas avós estão em silêncio neste instante
mal esperando o desfecho que darão as andantes

(* poema do livro A ossatura do rinoceronte)

capa do livro A ossatura do rinoceronte 
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ENTULHO

a força não é mais tanta quanto se precisa
se agiganta o atravancado e aterrissa
na percepção de mais um dia começado
a covardia diante do dever imposto
pelo ditame de instâncias superiores
nem desejo nem ambições maiores
o insano correr das horas para quem tem
funções desafiadoras e não mantém
uma vontade alta para executar as ações
e deseja só adormecer sob as intenções
mas falta muito pouco desta vida agora
para se livrar do entulho que a devora

(* poema do livro A ossatura do rinoceronte)

imagem do Pinterest 
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(*) 8M: 8 de Março = Dia Internacional da Mulher: Projeto 'Homenagem a mulheres escritoras/artistas', iniciado em março/2021, por Nic Cardeal.

fotografia do arquivo pessoal da autora 

DIVANIZE CARBONIERI é escritora, doutora em Letras pela Universidade de São Paulo, professora de literaturas de língua inglesa na Universidade Federal de Mato Grosso. É uma das editoras da revista literária digital 'Ruído Manifesto'. Integrante do coletivo 'Maria Taquara', ligado ao  'Mulherio das Letras - MT'. Atua ainda como tradutora, tendo participado da tradução de 'Hind Swaraj: autogoverno da Índia de Mohandas Gandhi' e '100 Grandes poemas da Índia'. 
 
Livros publicados: Entraves (poesia, Carlini & Caniato/2017, vencedor do 2° Prêmio Mato Grosso de Literatura na categoria poesia); Grande depósito de bugigangas (poesia, Carlini & Caniato Editorial/2018); Passagem estreita (contos, Carlini & Caniato Editorial/2019, finalista do Prêmio Jabuti - categoria contos, 2020); A ossatura do rinoceronte (poesia, Patuá/2020); Furagem (poesia, Carlini & Caniato Editorial/2020); Nojo (novela, Carlini & Caniato Editorial/2020); Nave alienígena (contos, Carlini & Caniato Editorial/2023).

Foi finalista no 3° Concurso da Editora Lamparina Luminosa em 2016. No Prêmio Off Flip, foi finalista na categoria poesia nas edições de 2018 e 2019, e segunda colocada na categoria conto na edição de 2019. 



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