Para não dizer que não falei dos cravos 10 | Uma crônica de DIAS CAMPOS
Para não dizer que não falei dos cravos (10)
Uma crônica de
DIAS CAMPOS
LARINHA AINDA NÃO FOI PARA O CÉU
Há quase cinco
anos, meu filho ganhava o seu primeiro bichinho de estimação. Mas esse
presente não veio só porque fosse insistente. Decidimos, eu e minha
esposa, que ele deveria merecê-lo. Para isto, teria que passar por um longo
período de prova, de fevereiro até doze de outubro. Se até o dia das crianças ele tivesse praticado mais atos meritórios do que traquinagens, nossa família aumentaria de um pet. Imprimimos uma
tabela, a prendemos com ímãs na porta da geladeira, e nela ticávamos com tinta
azul ou vermelha, conforme fossem as ações positivas ou negativas.
Mesmo não
esperando que o leitor acredite, foi só no último dia do prazo que o lado
azul superou o vermelho! Uma vez cumprida aquela condição, o garoto fez jus
ao prêmio.
Se
é verdade que o guri não tinha certeza sobre qual a
raça que mais o agradava, se cachorro, gato ou furão,
também é exato afirmar que, por motivos particulares, fomos
suficientemente hábeis para convencê-lo a que
escolhesse um bichano.
Foi assim que
Larinha entrou na nossa vida. Vinha adotada, filhote, castrada, e com
uma micose que a todos infectou e demorou para ser erradicada. Por
óbvio que não fomos nós que escolhemos o seu nome e o diminutivo carinhoso.
Nem se
precisaria dizer que nossa casa ficou de cabeça para baixo... Eram
brinquedos espalhados aqui e ali, mantinha estirada acolá, e
vasos de violeta deitados ao chão. Mas, de todas as suas travessuras,
as que mais doíam aos nossos corações tinham por objeto um dos móveis da
casa. Ah! Por que será que os gatos preferem afiar as
garras em um sofá de couro a se
divertirem com um atraente e prático arranhador? Por falar em
arranhadas, que também lembram mordidas, Larinha, como todo gato, adorava brincar com minhas mãos e braços. Mas, ao
contrário de minha esposa e filho, descobri que
era alérgico a esse tipo de passatempo. Sendo assim,
bastava um leve contato com suas garras ou dentes para que a vermelhidão, o
inchaço e, sobretudo, a coceira surgissem. E lá corria eu à procura de
água e sabonete.
Havia, por certo,
outros inconvenientes. Vomitar bolas de pelos em nossa cama e sobre o
edredom branco, era um dos que mais me “comovia”... Mas, a alegria que Larinha nos proporcionava, seja se
apoiando nas patas traseiras para pedir carinho, seja brincando de correr
atrás de uma bolinha de papel
alumínio recém-amassada, atenuava a importância de toda e qualquer surpresa desagradável.
Ocorre que, com o
seguir dos anos, começamos a perceber que o fiel da balança passou a
pender para os fatos indesejáveis. Os vômitos, por exemplo,
ficaram mais frequentes.
Foi quando a
veterinária, que há muito nos avisara que
os seus rins eram atrofiados, explicou que esses
órgãos já atingiam estágios crônicos. É claro que os
expedientes ao nosso alcance foram utilizados, em particular a
substituição da comida que oferecíamos por outra ração,
específica para gatos com problemas renais. Mas isso também
era paliativo.
Os meses
passavam, os rins filtravam cada vez menos, a quantidade
de ureia no sangue aumentava... Começamos a sentir um
forte odor a escapar pela boca da gatinha. Além do que, as sessões de
hidratação com soro aconteciam em intervalos regulares, e a perda de massa
muscular era visivelmente preocupante. Como
se tudo isso não fosse suficiente, o ultrassom ainda identificou dois
cálculos no rim direito! Prescreveram,
então, um medicamento para dilatar o ureter, na esperança de que as
pedras saíssem sem a necessidade de cirurgia. Para o nosso
júbilo, as imagens posteriores revelaram que elas estavam,
sim, se movimentando! No entanto, mesmo
que tivessem sido expelidas, isso não alteraria a
inexorabilidade do prognóstico.
Quando Larinha se
foi, um misto de tristeza e alívio tomou conta dos nossos corações. Na noite
seguinte, meu filho perguntou se ela estava no
céu. Respondi que sim, se bem que respondesse menos por convicção do que
por esperança. E fomos dormir.
Lá pela
madrugada, acordei sobressaltado. Levantei e fui
ao seu quarto para ver se tudo estava bem.
Amigo leitor, é provável
que você não acredite, mas vi Larinha na cabeceira da cama, enrolada
em si mesma, com os olhos brilhantes a me fixarem. Sonhava? Tenho
certeza que não. Tanto que voltei
para o quarto sereno e sorrindo.
Quando deitei,
minha esposa abriu os olhos. Sonolenta, perguntou como
estava o garotão. Respondi que dormia profundamente e que era velado
por um anjinho.
Não sei quando
Larinha irá para o céu. Para dizer a verdade, espero que não tenha pressa.
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DIAS CAMPOS é escritor. Foi destaque literário 2020, concedido pela Mágico de Oz. É Embaixador da Literatura, título concedido pela Corte Brasileira de Letras, Artes e Ciências - COBLAC 2020. Ambassadeur Honneur et Reconnaissance aux Femmes et Hommes de Valeur, título concedido pelas Luminescence Académie Française des Arts, Lettres et Culture – Literarte, 2020. Destaque Cultural 2019; Destaque Social 2019; Embaixador da Paz; e Comendador da Justiça de Paz, com a Comenda Internacional Diplomata Ruy Barbosa “O Água de Haia”, os quatro títulos conferidos pela Organização Mundial dos Defensores dos Direitos Humanos – OMDDH, 2020. Prêmio Internet Coblac – Corte Brasileira de Letras, Artes e Ciências, 2020. Destaque Literário no 32º (2020) e no 28º (2018) Concurso Literário de Poesias, Contos e Crônicas, promovido pela Academia Internacional de Artes, Ciências e Letras a Palavra do Século 21 – ALPAS – 21. Ganhador do Troféu Destaque na 7ª Edição do Sarau Musical Cultural, 2019. Menção Honrosa no Prêmio Nacional de Literatura dos Clubes – 2019. Selo Destaque do mês de agosto, conferido pelo site Vozes da Imaginação, 2017. “Embajador de la Palabra”, título concedido pela Asociación de Amigos del Museo de la Palabra, 2014. Foi o 3º colocado no I Concurso de Crônicas da Academia Bragantina de Letras, 2014. Ganhador do Prêmio Latino-Americano de Excelência, 2013; Medalha de Ouro no I Concurso Oliveira Caruso, 2011. Vencedor do Concurso Mundial de Cuento y Poesía Pacifista, 2010; 3º colocado no II Prêmio Araucária de Literatura, 2010.
É membro da Academia Mundial de Cultura e Literatura – AMCL; do Núcleo Acadêmico de Cultura, Letras e Artes do Brasil – NACLAB; da Academia Independente de Letras – Ail Ordem Scriptorium; da Academia Luminescense da Devoção as Artes e Letras – Sucursal Brasil; da Academia Caxambuense de Letras; da Academia Cachoeirense de Letras, da Academia Internacional de Artes, Letras e Ciências a Palavra do Século 21 - ALPAS 21, da Associação Internacional de Escritores e Acadêmicos, da Asociación de Amigos del Museo de la Palabra, do Movimento Poetas del Mundo, e da Revista Itinerário Imprevisto.
Colunista do Jornal ROL; do (atual) site Cultura & Cidadania; do Portal Show Vip; e do (atual) portal 'Pense! Numa notícia'.
É autor do romance As vidas do chanceler de ferro (Lisboa: Chiado Editora, 2009), e do romance A promessa e a fantasia (Promise and fantasy), ambas as versões em Amazon.com.br, 2015; além de diversos outros textos literários; como também de livros e artigos jurídicos.
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