SEIS POEMAS DE SHELLY BHOIL | PROJETO 8M

 

fotografia do arquivo pessoal da autora 

8M (*)

Mulheres não apenas em março. 
Mulheres em janeiro, fevereiro, maio.
Mulheres a rodo, sem rodeios nem receios.
Mulheres quem somos, quem queremos.
Mulheres que adoramos.
Mulheres de luta, de luto, de foto, de fato.
Mulheres reais, fantasias, eróticas, utópicas.
Mulheres de verdade, identidade, realidade.
'Dias mulheres virão', 
mulheres verão,
para crer, para valer!
(Nic Cardeal)

Conheça a poesia vibrante da escritora indiana radicada no Brasil, SHELLY BHOIL, do seu livro Preposição de entendimento*:

capa do livro Preposição de entendimento 


RELEMBRANDO 

Nos buracos do tempo, as mãos se tornam mais curtas.
a memória é velha demais para se lembrar daquela primeira coisa.
as coisas são finas. mas o ar está denso com sombras. dos sonhos 
a vovó relembrava como ele olhava e olhava para ela. dos sonhos 
recordo como ela olhava e olhava para ele olhando para ela. 
relembrando em eclipses a partir de onde estamos.

(p. 21)

imagem do Pinterest 
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A NEGAÇÃO DAS PALAVRAS 

Tudo aconteceu depois que 
o verso começou a se esfacelar 
da pele 
sem a beleza da queda das estrelas 

a metáfora traiu 
a imaginação 
diferentemente das assinaturas de divórcio prontas a acontecer 

e a poesia se tornou um céu sem estrelas 
não como a página em branco que contempla 
a promessa de ser preenchida 

tudo aconteceu depois do momento em que 
as palavras começaram a ser servidas em refeições 
e que as palavras 
deixadas ao fim da lógica 
não se assentavam em um ninho aquecido para um retorno 
nem se abriam em asas para voo 

(p. 22)

imagem do Pinterest 
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CARTA ÀS COLEGAS MULHERES

Prezada mulher,
você está se estendendo no chão 
como um tapete de atividades para aquela garotinha
em você há muito silenciada
brincar e se tornar manancial de alegria 
respingando e removendo
a espessa poeira de que não necessita?

Prezada mulher,
você está plantando os pés 
na floresta dos seus sonhos 
estendendo os braços para que os dedos 
se alquimizem em vaga-lumes 
o bastante para iluminar o jardim
e transformar em cinza os que carregam machados?

Prezada mulher,
você está cultivando flores na língua 
e alto-falantes nos ouvidos 
para ser suave como veludo por dentro
e rebater tudo o que lhe dizem
em livros e recantos de um mundo
confeccionado para um tamanho que não é o seu?

Prezada mulher, 
você está medindo a sua fragilidade
com pedras
e a densidade com pétalas?
Em suma, prezada colega mulher, 
você já está se tornando 
o seu homem?

(pp. 30-31)

imagem do Pinterest 
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FLUXO DE CONSCIÊNCIA 

Você não precisava
encher os bolsos de pedras
antes de entrar na correnteza
se não sabia nadar

Você sabia nadar
bem até demais 
então subiu à tona
apesar dos bolsos cheios de pedras

E flutua no fluxo de consciência 
de muitas Virginias Woolfs hoje em dia

(p. 42)

imagem do Pinterest 
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UMA FILHA TIBETANA


(Para Tsering Wangmo Dhompa)*

ela constrói     uma estupa de palavras   para a mãe 
uma filha tibetana 


ela anda o dia todo em terras distantes imaginando os lugares
de concepção e nascimento. ela saúda a mãe em elemento de existência física na terra.
forma de uma árvore. sensação da chuva. sussurros no vento.
brilho de lâmpadas de manteiga. até o anel de casamento dela.


ela sente a mão da mãe sobre as contas do rosário que ela agora reza,
na fé comum ela habita.


uma filha tibetana ressuscita uma árvore dos desejos no exílio
folheia páginas de uma história alternativa:
a altivez de um avô chefe tribal, vida emaranhada de uma princesa 
exílio de uma nação, a terra das neves, à qual ela devolve a mãe em cinzas.


uma shravana kumara* tibetana carrega no coração a mãe 
todos os dias ela acende uma lâmpada de pensamentos impregnados
em manteiga de seu baú de memórias de vinte e quatro anos
e a oferece à    estupa de palavras   que constrói  para a mãe. 

* Tsering Wangmo Dhompa é uma poeta tibetana, exilada nos EUA. 
* Shravan Kumara é um personagem no épico sânscrito Ramayana. Caracteriza-se pela grande devoção aos pais.

(pp. 36-37)

imagem do Pinterest 
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EU SONHO COM UM POEMA

Eu sonho com um poema 
sobre palavras 
sem palavras 
como um pensamento primitivo 
não nascido 
na consciência 
da linguagem 
logo gramática 
porém um efêmero patoá
a cada passo
em cada língua 
pendendo para fora
da aporia
uma vez que você pisa
seu Deus
seu pensamento primitivo 
do Universo -
um mega-poema
pelo Criador 
que penetra mais profundo 
do que a profundidade dos sonhos de um poeta
espalhados pelos longos céus 
além da respiração tumultuada
de nossas vidas recorrentes



Eu sonho com um poema 
sobre palavras 
sem palavras. 

(pp. 63-64)

imagem do Pinterest 
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(*) 8M: 8 de Março = Dia Internacional da Mulher: Projeto 'Homenagem a mulheres escritoras/artistas', iniciado em março/2021, por Nic Cardeal.


fotografia do arquivo pessoal da autora 


SHELLY BHOIL é natural da Índia e mora em São Paulo/SP. É doutora em Estudos Literários em Inglês, pela Punjab University, Índia. É poeta e escritora. Tem poemas e artigos acadêmicos publicados em várias antologias e revistas literárias. Em 2011 ficou em primeiro lugar no Concurso Internacional de Escrita Tahoe Safe Alliance e recebeu menção honrosa no Concurso FLEFF Checkpoint Story Contest na Universidade de Ithaca, EU. Em 2016 recebeu menção honrosa no Concurso Nacional de Poesia da Índia, e ficou em terceiro lugar no Rabindranath Tagore Concurso Internacional de Poesia. 

Livros publicados: An Ember from Her Pyre (poesia, Índia, 2016); Tibetan Subjectivities on Global Stage (coletânea de ensaios acadêmicos, com Enrique Galvan Alvarez, Lexington Books, 2018); New Narratives of Exiled Tibet (coletânea de ensaios acadêmicos, Lexington Books, 2020); Testemunho Poético dos Tibetanos no Exílio (organizadora, poesia, Universidade de São Paulo,  2021); Poemas em construcción (poesia, Colômbia,  2023); Preposição de Entendimento (poesia em português, Editora Urutau, 2023). 

* Tradução de Preposição de entendimento para o português brasileiro: Camila Assad, Cláudia Santana Martins e Gisele Wolkoff.




 

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