A POESIA ENVOLVENTE DE ROBERTA GASPAROTTO | PROJETO 8M
8M
Mulheres não apenas em março.
Mulheres em janeiro, fevereiro, maio.
Mulheres a rodo, sem rodeios nem receios.
Mulheres quem somos, quem queremos.
Mulheres que adoramos.
Mulheres de luta, de luto, de foto, de fato.
Mulheres reais, fantasias, eróticas, utópicas.
Mulheres de verdade, identidade, realidade.
'Dias mulheres virão',
mulheres verão,
pra crer, pra valer!
(Nic Cardeal)
Sinta na pele, na alma, a poesia de ROBERTA GASPAROTTO:
AFETOS
havia multidões de ninguéns por trás das palavras
cacofonia de letras emaranhadas e gastas
na era do desperdício
(* poema extraído de sua TL, 20.12.2020)
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ASSOMBRO
entrou com receio
.
não sabia se era um templo ou uma alcova
...
apenas intuía que algo sagrado acontecia diante dos seus olhos
.
com medo
,
fugiu
.
(* poema extraído de sua TL, 30.12.2020)
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COMPROMISSO
escrever aquilo que vem
que passa
que perpassa
e permitir que nasça algo
que me transpasse
ultrapasse
fazer esse compromisso comigo mesma não com o rigor dos compromissos diários
mas com o frescor dos compromissos da alma
[produzir nesse tempo espaço um lugar de acolhimento dos nossos traumas]
(* poema do livro Bordados)
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NASCIMENTO
quem sabe um dia retornaremos à vida embrionária
: pulsante, caótica e organizadora de tudo.
quem sabe um dia retornaremos ao útero da terra
: repleto de contrações e expansões onde os espasmos moldam a experiência.
quem sabe um dia aprenderemos com a nossa mais remota vivência
: respiração primeva onde a lancinante dor de receber o ar não nos impediu de sentir o seu frescor.
quem sabe um dia retornaremos à transparência do líquido e à opacidade placentária
: aquele lugar onde nada se exclui, porque tudo é parte integrante da jornada.
quem sabe um dia deixaremos de ser tão miseráveis
: apego ignóbil.
um dia, teceremos com cordões de barro nossas próprias asas e contemplaremos os voos alheios com a alegria de quem conhece a liberdade de ser pássaro
...
...
errante.
(* poema do livro Bordados)
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PONTO DE INFLEXÃO
partiu o navio negreiro para nunca mais
voltar ao cais original.
águas azuis se converteram em vermelhas:
lágrimas a borbulhar no caos
[do que se pretendia chamar de humanidade]
(* poema extraído de sua TL, 01.01.2021)
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PACTO SOCIAL
há um plano em curso
: naturalizarmos a morte
[em vida]
mutilação de sonhos
corpos
emoções
a vida ferve
diverge borbulha
faz barulho incomoda
a morte não
,
iguala a todos
fria e quieta
tememos morrer
sem saber que há tempos a morte nos invade
- e ronda nossas faces covardes.
(* poema extraído de sua TL, 15.01.2021)
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DO AMOR
as palavras estragam muita coisa
até as mais belas
sobretudo elas
o cristal guardado
mantém-se intacto
a beleza cega
o esplendor arrebata
quem está preparado?
guarda teu tesouro mais precioso
preserva especialmente de ti
[que és humano e medroso]
.
(* poema extraído de sua TL, 12.12.2022)
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poema-imagem do arquivo pessoal da autora
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SIDERAL
o corpo que habito, possui 100 bilhões de estrelas em seu cume
.
da pontinha do pé até o cuco, coexistem 37 trilhões de poeiras interestelares, minúsculas e pulsantes: meu espaço sideral
.
raios cósmicos provocam curtos-circuitos em meu sistema
,
solar
.
noutras feitas, este corpo gravitacional atrai meteoritos: órbitas em colisão
.
muito acima de mim, passeiam corpos celestes: histórias dos meus antepassados
,
cometas brincando no céu
.
(* poema extraído de sua TL, 17.06.2023)
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poema-imagem do arquivo pessoal da autora
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NÔMADE
nenhum lugar era morada
sinônimo de opressão
sem casa
cascas
frangalhos
[sem corrimão ou atalho]
nem ao menos migração
apenas deslocamento
.
.
.
.
.
.
quando tudo se resumiu a cansaço e esgotamento
desistiu de viver nesse mundo.
[recriou outro todinho seu]
(* poema extraído de sua TL, 07.06.2023)
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(*) 8M: 8 de Março = Dia Internacional da Mulher: Projeto 'Homenagem a mulheres escritoras/artistas', iniciado em março/2021, por Nic Cardeal.
fotografia do arquivo pessoal da autora
ROBERTA GASPAROTTO é natural de Passo Fundo/RS, e reside desde criança em Brasília/DF. É graduada em Psicologia e pós-graduada em Língua Portuguesa, com ênfase em produção textual. Trabalha com crianças e adolescentes vítimas de violência, além de ser servidora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Escreve crônicas, contos e poemas. Realiza o projeto literário 'Diga-me uma história e eu conto sua memória'.
Livros publicados: Mil mulheres cabem em mim (crônicas, Sguerra Design/2019); Bordados (e-book, poesia, minicontos, prosa poética, Camino Editorial/2021).
Participação em antologias e coletâneas: Converso sobre amor (antologia, poesia, organização de Ana Cecília Romeu, Camino Editorial, 2023); entre outras.
Evidente a inquietude do nosso tempo.Muito bom.
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