fotografia do arquivo pessoal da autora
8M (*)
Mulheres não apenas em março.
Mulheres em janeiro, fevereiro, maio.
Mulheres a rodo, sem rodeios nem receios.
Mulheres quem somos, quem queremos.
Mulheres que adoramos.
Mulheres de luta, de luto, de foto, de fato.
Mulheres reais, fantasias, eróticas, utópicas.
Mulheres de verdade, identidade, realidade.
'Dias mulheres virão',
mulheres verão,
pra crer, pra valer!
(Nic Cardeal)
Mergulhe na poesia multifacetada de LAÍS CHAFFE, em onze poemas extraídos do livro Segue anexa minha sombra:
capa do livro Segue anexa minha sombra
MORADA
Nesse moinho
vida esfarela
água passa
sede abdica.
Quisera a carne
menos viva
quisera a alma
(onde é que fica?)
Quisera tempo
sem limites.
Quisera morar em mim
negaram o habite-se.
(p. 13)
-*-
PRESSA
Era um tipo de angústia
que ansiava
por engolir o mundo.
E em seu desespero
errava as garfadas
e mordia a própria língua.
E morria à míngua.
(p. 16)
-*-
SAPATOS
Sou eu que me calço
E, gasto, levo os pés.
O resto só vai junto
desfrutando o espaço
sem pagar o preço do solado
sujo.
Mas há na sola uma pequena pedra
além do pó
e aquém da joia.
É por essa pedra que nasce o meu desejo.
Sou eu que me descalço
Mantendo os cadarços atados.
Meu nojo é orgulho.
(p. 27)
-*-
MOVIMENTO
Antes, o mundo inteiro passava
diante de minha janela atônita.
Hoje, minhas janelas é que correm,
e o mundo observa, intrigado,
por trás de suas persianas de aço.
(p. 32)
imagem do Pinterest
-*-
RECOMENDO
têm dias que transbordo pra dentro
assim:
bolhas de sabão tilintam nas retinas
certa luz verde
ilumina o chafariz bailante no meu ventre
ilumina bem ali
onde o bem-te-vi se banha
onde o gato desengatilha as garras
sei
não é escolha, mas ainda assim recomendo
é líquido é cristalino é iluminado é calmo
tão calmo que tenho medo de barulhar os passos
tão pleno que tenho medo de espantar com os olhos
tão tão
que até do pensamento fujo
(embalo a limpidez)
(p. 42)
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-*-
BATE-PAPO ESTELAR
ora, dirás,
falar com estrelas
não, não perdi o senso
no entanto digo
converso e brigo
até mesmo canto
falar com elas
é falar contigo
(p. 55)
-*-
A PROPÓSITO
querem privatizar
a poesia
monopólio do poema
ritmo algemado
rima no almoxarifado
a festa no protocolo
querem da criação
a patente
alguns
porém
têm um vaso
terra úmida
palavra pólen
ternos
preferem aos paletós
a camiseta
transmutam
gravata em borboleta
(p. 62)
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-*-
NECESSIDADE
preciso de outras mãos
pra desatar meus nós
preciso teus dedos
preciso de nós
(p. 92)
imagem do Pinterest
-*-
PARADOXO
quando o sol se esvai
e finda a tarde
é justo aí
que a vida arde
(p. 94)
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BALONISMO
É preciso gás
e é preciso algo mais. Soltar peso a peso
como quem da sombra, aos poucos, se desfaz.
É preciso vento
(é preciso menos). Prescindir da espera,
despir-se das horas, preservar o tempo.
É preciso alento
maciez de gente, olhares bem ali -
ali no ar quente: leveza pra subir.
(p. 125)
-*-
BARGANHA DE ANO-NOVO
seria possível parcelar
em doze suaves prestações
o peso da conta do Natal
superfaturada de emoções?
(p. 145)
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(*) 8M: 8 de Março = Dia Internacional da Mulher: Projeto 'Homenagem a mulheres escritoras/artistas', iniciado em março/2021, por Nic Cardeal.
fotografia do arquivo pessoal da autora
LAÍS CHAFFE é natural de Porto Alegre/RS, onde reside. É graduada em Jornalismo pela UFRGS, escritora, produtora cultural e realizadora audiovisual. Trabalhou em diversos veículos de comunicação, entre eles 'Correio do Povo', 'Jornal do Comércio' e 'Rádio Bandeirantes'. Ocupa a cadeira 36 da 'Academia Literária Feminina do Rio Grande do Sul'. É roteirista e diretora do curta-metragem 'Identidade' (2002); roteirista e produtora executiva do curta 'Colapso' (2004); roteirista, produtora e diretora do documentário "Canto de cicatriz" (documentário sobre violência sexual contra meninas, Atena Produções/2005), vencedor do 'Prêmio Direitos Humanos' no Rio Grande do Sul/2005 (Unesco e Assembléia Legislativa), de dois prêmios 'Galgo Alado' (melhor vídeo independente brasileiro e melhor vídeo social no 'Gramado Cine Vídeo', 2006), de menção honrosa na '33ª Jornada Internacional de Cinema da Bahia'/2006; e de menção especial do júri da 'Federação Internacional dos Cineclubistas' no 'II Festival Internacional de Atibaia' (SP/2007). Idealizou e está à frente do Projeto 'Cidade Poema' (cidadepoema.com), que vem levando poesia às ruas e a espaços públicos de Porto Alegre desde 2009, já tendo produzido e dirigido 20 mini-metragens com poetas gaúchos dizendo seus versos. Também é idealizadora e dirige o selo editorial 'Casa Verde' ('Prêmio Açorianos de Editora Destaque' em 2006, e atualmente com um catálogo de mais de 20 títulos). Foi diretora do 'Instituto Estadual do Livro - IEL', órgão da Secretaria de Estado da Cultura do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, entre 2012 e 2014. Foi premiada no '15º Concurso de Contos Paulo Leminski' (PR), no '1º Concurso de Poesia da Biblioteca Leverdógil de Freitas' (RS), no 'II Concurso Nacional de Literatura Revelação do III Milênio' (GO), entre outros. Também dirigiu o documentário 'Mesmo que tudo dê errado, já deu tudo certo', longa-metragem que destaca as andanças da escritora Maria Valéria Rezende como educadora popular, as trocas culturais que teve com diversas pessoas pelo mundo e seu ativismo político e social.
Participação em coletâneas e antologias: Poemas no Ônibus (2002 e 2004); Entre colchetes fica mais confortável (contos); Histórias de Trabalho (1999 e 2004); Contos de bolsa (org. Laís Chaffe, Casa Verde/2006); Contos do novo milênio (org. Charles Kiefer, IEL/2006); Contos de algibeira (org. Laís Chaffe, Casa Verde/2007); Coletânea de poesia gaúcha contemporânea (org. Dilan Camargo, 2013); Festschrift para Assis Brasil (2015); Blasfêmeas: mulheres de palavra (2016); entre outras.
Livros publicados: Não é difícil compreender os ETs (contos, AGE/2002); Minicontos e muito menos (minicontos, com Marcelo Spalding, Casa Verde/2009); Medusa (poemas infantis, Casa Verde/2011); Carne e trigo (poemas, Castelinho Edições/2012); Segue anexa minha sombra (poesia, Class/2017); Com dedos e lábios roxos (poesia, Class/2019).
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