SOLANGE PADILHA EM DOZE POEMAS | DO LIVRO "SOBRE AQUILO QUE NÃO CESSA"
DOZE POEMAS DE
SOLANGE PADILHA
EM
"SOBRE AQUILO
QUE NÃO CESSA"
A construir
um pequeno telhado
duas ou três coisas
que lembrassem portas
janelas
vaso de flores
(Corpo Flutuante, p. 22)
-*-
transgredindo eixos
o súbito
chão
(Territorialidades, p. 35)
-*-
faltavam as curvas sobre a calçada
a ponte ao outro lado da baía
a nave de Niemeyer
o passeio por um bairro de Caracas.
Faltava o majestoso vale
e a rua a (se) perder (d)a página
E parecia indecente o quanto tudo falta,
ao corpo solta
vertigem
deslizando
sua falta
a retornar
lugar a lugar
pulsando
sob o lacre
teu nome
(Territorialidades, p. 42)
-*-
Meu caro, o real não cede ao coração
Ele tem nas mãos as linhas que embaralham
arquiteta fios
mas
não salva:
nem das trincheiras do amor
nem do solilóquio
(Amares, p. 59)
-*-
Na Rua Visconde de Pirajá quase deserta
entro na velha Livraria Travessa
Encontro Bukowski em
o amor é tudo que nós pensamos que ele não era
(...) as pessoas não são flores
(...) você já beijou uma pantera?
São seis garças paradas na lagoa
E você saindo do banheiro
Não olha.
Nem me vê
(Amares, p. 64)
-*-
Solta das antenas da lua
flutua a tartaruga
sobre aquilo que não cessa
histórias
e espirais contrárias ao relógio
(Partículas, p. 85)
-*-
O Paraíso é uma miragem
De braços abertos
se move
No mergulho
escorrega
Fechando os braços
sumiu
No horizonte
o planeta Terra
(Partículas, p. 90)
imagem do Pinterest
-*-
Do signo complementar peixes
terra solta sobre água
entre motivos ascendentes
virgem a zodiacar
sem precisar de deus
interroguei de mulher
(Meu corpo escreve cruzando fagulhas, p. 94)
imagem do Pinterest
-*-
Ela disse
sou uma escrita
como se isso fosse um mantra
lasca de dinamite
feminina.
Com ela
Íntimos vocábulos
avessos da moeda partida
dos heróis e de escribas
Eu e Ela
Insurgências
(Pronta pra rua, não levo flores, p. 108)
imagem do Pinterest
-*-
A onda cresce
O eco chama
expande o clamor
Marielle Presente.
Mulheres, mães, avós, filhas
Ocupam ruas, avenidas
Cruzam marés do mundo
No oníssono eu comum
perguntam:
Onde estão os assassinos?
(Pronta pra rua, não levo flores, p. 114)
imagem do Pinterest
-*-
Quem são esses que reclamam corpos inocentes?
Que com eles movem suas geringonças insensatas?
Quem são esses que perfuram a fuzis e granadas
comunidades de simples brasileirinhos?
(Pronta pra rua, não levo flores, p. 116)
imagem do Pinterest
-*-
Encontramos uma porta semelhante a outras.
Ao abri-la vemos um enorme buraco
Lá se encontram ossos desenterrados de
um preto ou uma preta
que desembarcou da África há dois séculos passados
- eram muitos.
As marcas. Os ossos. O anonimato
Atrás de nós o burburinho.
Um grupo de jovens escuta a história da diáspora.
Escavações de um novo tempo.
Poderemos seguir juntos?
(Pronta pra rua, não levo flores, p. 139)
imagem do Pinterest
-*-
fotografia do arquivo pessoal da autora
SOLANGE PADILHA é natural de Belém/PA e vive no Rio de Janeiro/RJ. Morou em Paris durante a ditadura militar, formando-se em Ciências Sociais pela Sorbonne. Fez mestrado em Ciências Sociais pela PUC/SP. É doutora em Antropologia da Arte pela PUC/SP. Fez pesquisas de pós-doutorado pelo CNPq no acervo do Museu Nacional de Belas Artes. Editou o primeiro jornal feminista brasileiro, 'Nós Mulheres' (1976/1979, SP). É poeta, poeta visual, atriz, pesquisadora e fotógrafa amadora.
Livros publicados: Safographia (poesia, Rio de Janeiro/RJ: Ed. Casa 6/1986); Dadá ainda anda (poesia, Rio de Janeiro/RJ: Ed. do autor/1992); Escrita labial (poesia, Rio de Janeiro/RJ: Ibis Libris/2014); Sobre aquilo que não cessa (poesia, São Paulo/SP: Patuá/2020).
Participação em antologias e coletâneas: Nova poesia brasileira (poesia, org. Olga Savary, Rio de Janeiro/RJ: Hipocampo/1992); Poesia do Grão-Pará (poesia, org. Olga Savary, Rio de Janeiro/RJ: Graphia/2001); Antologia de poemas cariocas (poesia, Rio de Janeiro/RJ: Ibis Libris/2012); Antologia de poesias Mulherio das Letras (poesia, org. Vanessa Ratton, São Paulo/SP: Costelas Felinas/2017); Antologia comemorativa dia internacional da mulher Mulherio das Letras Portugal - poesia (org. Adriana Mayrinck, Lisboa-PT: In-finita, 2019); Antologia de prosa e conto Mulherio das Letras (org. Adriana Mayrinck, Lisboa-PT: In-finita, 2020); As mulheres poetas na literatura brasileira (poesia, org. Rubens Jardim, Cajazeiras/PB: Arribaçã, 2021); entre outras.
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