Minha Lavra do teu Livro 18 | "OLHOS DE MANDRÁGORA", de IVY MENON, por Nic Cardeal


Minha Lavra do teu Livro 18
- resenhas afetivas -

"OLHOS DE MANDRÁGORA"

UMA POESIA DE

 DENSIDADE E DESASSOSSEGO 


 
"Tirésias, contudo, já havia predito 
ao belo Narciso que ele viveria apenas 
enquanto a si mesmo não se visse... 
Sim, são para se ter medo, os espelhos."
(João Guimarães Rosa, in: "Nenhum espelho 
reflete seu rosto", Rosângela Vieira Rocha,  p. 19)

Em OLHOS DE MANDRÁGORA (São Paulo: Patuá, 2024), IVY MENON escreve 72 poemas cujo tema central é o narcisismo cínico, um assunto tão difícil quanto perturbador. 

Seus versos nos atravessam quase sem fôlego, como se nos alertassem de que é necessário estarmos - principalmente nós, mulheres - sempre (e muito) atentos(as), para não cairmos na tentação da 'maçã do diabo' (assim chamado o fruto da mandrágora). Já disse, quando convidada por Ivy a escrever a orelha do livro, e repito aqui: "Não por acaso (e estou quase certa disso) que na maioria dos poemas a autora optou por se utilizar de um 'eu lírico' em terceira pessoa, no masculino: eis um narcisista com "olhos de mandrágora" - aquele que tudo vê, porém, ao mesmo tempo com pupilas dilatadas para a realidade,  uma visão peculiarmente ampliada (para o ego) e confusa, que muito se assemelha aos efeitos dessa planta quase alucinógena". É verdade: a mandrágora é uma "planta da família das solanáceas, adepta das regiões quentes, cujas raízes, tuberosas e bifurcadas, assumem a forma de um corpo humano, muito usada por feiticeiros" com conotações mágicas, religiosas e sagradas. Ela causa aumento das pupilas, muito provavelmente por isso o título do livro "olhos de mandrágora", ou seja, olhos dilatados a deturpar o que se vê como real. 

Os poemas de Ivy discorrem sobre um 'eu lírico' que delimita os eventos em torno de si, como se desenhasse círculos concêntricos onde o ego se destaca como a figura mais importante, não havendo qualquer importância as distorções de julgamento ou os equívocos de perspectivas, pois só o que vale para o portador dos "olhos de mandrágora" é unicamente o seu ponto de vista. Tanto se empenha em se iluminar que se torna cego para o que o circunda e, obviamente, conclui-se que "a luz cega mais que a escuridão" (p. 25). De outro viés, quando em estado de privação, diante das "horas mortas/ sem fadiga/ sem álcool/ sem libido/ [...]/ delirium tremens", prostra-se em completa alteração do estado mental, com sintomas dos mais variados - desde a sonolência e a apatia, até desorientação,  alucinações,  irritabilidade e raiva (poema "abstinência", p. 49). Eis que, então, surge a dúvida: será possível para o narcisista em algum momento da vida abter-se do seu 'estado de narciso'? 

Por outro lado, no decorrer da leitura vai crescendo também a sensação de que o 'personagem narcisista' uma hora ou outra cairá em sua própria emboscada, mesmo que a semente do mal por ele espalhada já tenha eclodido e fincado suas raízes pelo seu entorno. Bem disse o poeta, jornalista, escritor e editor-proprietário da Arribaçã Editora, Linaldo Guedes, no prefácio do livro: "Olhos de Mandrágora fala, também, da ilusão que anda em círculos, dos rastros que chegam após erigir desertos, da mitologia de Ícaro apaixonado pelo sol, dos jogos com espelhos de quem busca o infinito de cacos espalhados" (p. 8).

Muito propícia uma obra poética a vasculhar os impropérios do narcisista cínico (cujo discurso  ofensivo e injurioso muitas vezes é velado, de tanto desprezo ao outro),  quando a humanidade depara-se com relações abusivas cada vez mais complexas, densas, perigosas, diante das armadilhas das redes sociais, onde o desdém, a indiferença, é ferramenta corriqueira para o embuste, a traição e a tirania.

Parabéns,  Ivy Menon,  seu livro cumpre sua finalidade intrínseca: tirar o pensamento comum da zona de conforto e levá-lo a refletir sobre a necessidade de estarmos alertas aos narcisistas que se espalham por todos os lados, tanto nas desumanidades do mundo concreto quanto nas ambivalências sutis das redes sociais. 

Nic Cardeal, aos 9 de abril de 2025.

capa do livro Olhos de Mandrágora 


Seis poemas de Olhos de Mandrágora:


CENTRO

olhos de mandrágora 
cínico 
leito e rio
seco
fome de engolir alentos

Narciso abre brechas
prenhe de abismo
e fascínio 

cai na armadilha
de si

(p. 16)

*

ILUSÃO 

nada do que pensou existir existe
anda em círculos 
punhos cerrados 
a gritar impropérios 
o nome no rol das vítimas 

colarinho branco bem passado
fora de tempo
frequenta bons lugares

soluça cinzas antecipadas
quitado o plano de cremação 

(p. 26)

*

RASO

jogou-se no espelho
como quem busca o infinito 
cacos espalhados pela sala
riscos de sangue
ruína 

o dia nasce e morre engano

(p. 36)

*

UTOPIA 

não nascera para coadjuvante
jamais pretendeu segundo-violino
na trama
monólogo 

não há espaço para sombras

(p. 54)

*

TEMERÁRIO 

caminha sobre o precipício
aposta no fracasso

bala na agulha
gira o tambor

malabarista
distópico
sorve adrenalina
:
voa
e
fim

(p. 77)

*

SOLIDÃO 

encontrou-se olho no olho
além da vista
espelho frente a espelho
descobriu-se infinito

solidão
e
desatino

(p. 80)

-*-

fotografia do arquivo pessoal da autora 


IVY MENON é natural de Cornélio Procópio/PR e reside em Rio Negro/PR. É bacharel em Direito e Teologia, pós-graduada em Filosofia e Teoria do Direito. É escritora - poeta, romancista, cronista e contista. Foi boia-fria até os 20 anos. Após deixar o campo, trabalhou em 'O Diário do Norte do Paraná', em Maringá/PR, onde iniciou carreira como jornalista autoditada, atuando em jornais e assessorias de comunicação. Foi Chefe da 'Seção de Imprensa do Tribunal Regional do Trabalho', em Cuiabá, e do 'Cartório da Justiça do Trabalho', de 2010 a 2013, ano em que se aposentou. 

Em dezembro de 2006 venceu o 'I Concurso Carioca de Poesia', promovido pela 'Associação Brasileira Cultural de Apoio à Cidadania' (Abraci), que contou, entre as parcerias, com a 'Academia Brasileira de Letras' (ABL). Como prêmio, recebeu seu primeiro livro publicado, 'Flores amarelas', poesia. Ocupou a Cadeira 31 da 'Academia de Letras de Maringá'. Foi uma das finalistas do 'Prêmio OFF FLIP 2018', na categoria Poesia.

Livros publicados: Flores amarelas (poesia, Multifoco, 2006); Matemática das algemas (poesia, Camino, 2021); Asas de terra e sangue (crônicas, Arribaçã,  2021); Mar fechado Mar aberto (com Angela Zanirato, romance, Rizoma, 2023); e Olhos de Mandrágora (poesia, Patuá, 2024).



Comentários

PUBLICAÇÕES MAIS VISITADAS DA SEMANA

Mulher Feminista - 16 Poemas Improvisados - Autoras Diversas

De vez em quando um conto - Os Casais - por Lia Sena

Isabel Furini, Divani Medeiros e Izabel Rodrigues: Dia Internacional da Mulher

Sarau Poesias do Mundo da AVIPAF - Momentos emocionantes

A vendedora de balas - Conto

Evento Avipaf: Exposição, Sarau e Medalhas

Para não dizer que não falei dos cravos 13 | UMA CRÔNICA DE DIAS CAMPOS

A POESIA INTENSA DE MALU BAUMGARTEN | PROJETO 8M

"8 DE MARÇO" EM POESIA E PROSA| NIC CARDEAL