Minha Lavra do teu Livro 19 | "FÓSFORO", de PRISCILA PRADO, por Nic Cardeal
Minha Lavra do teu Livro 19
- resenhas afetivas -
"FÓSFORO"
A POESIA "FIAT LUX"!
Fiat lux! (faça-se a luz!): como num átimo de 'inspiração tridimensional', PRISCILA PRADO acende seu FÓSFORO no mundo das formas - um livro publicado pela Editora Donizela (Curitiba, 2024), em dimensões que parecem idênticas a uma grande caixa de fósforos e que, no lugar dos palitos longos, traz poemas que aquecem, apaixonam, incendeiam, quase queimam, reverberando pelo corpo até alcançar seus limites com a alma!
Impossível não indagar: de que 'fogo imaginativo' se serviu a escritora para mergulhar nessa brilhante ideia? Seus poemas são rápidos, instantâneos, quase fugazes, mas que riscam (inclusive) a pele da alma: são feitos para serem ditos de um só fôlego - porque precisam ter a velocidade da luz, o calor do momento, a volatilidade das chamas. Porque quem é Poeta sabe quando está por um fio (de inspiração) na corda quase sempre bamba da realidade, por isso se (ar)(risca): risca o ar na precisão cirúrgica da palavra:
"poema é fósforo
fugaz? incêndio?
o poeta (a) risca"
(p. 7)
O livro de Priscila é uma caixa de 112 surpresas que nos deixam atônitos, sem nenhuma vontade de pausar a leitura antes da última página, porque ficamos envolvidos na ânsia por esvaziar logo 'a caixa', 'queimar todos os palitos' das palavras, encontrar a razão da velocidade com que somos tomados para sorver cada uma delas, como quem se consome em poesia!
"acorda e sonha, poeta:
passar a vida a colher poemas
e a ser por eles colhido"
(p. 30)
Disse Luci Collin no posfácio da obra: "Nesse Fósforo a dança imensa dos flagrantes, o corpo do que quer ser dito e mais as memórias e mais as cores que esvoaçam: é tudo constelação do tempo - às traças e aos tesouros. [...] Luzes aves que atravessam súbitos espaços num olhar em que a poesia se completa." (pp. 122-123). Também digo: Priscila Prado acende o 'Fósforo da Poesia' muito perto do nosso fogo interno - aquele fogo inerente ao que chamamos de 'espírito' e que nos alimenta para a vida - e ficamos propícios ao calor daquelas labaredas que um dia, lá distante (e tão perto) na infância, nos despertaram em sintomas poéticos, como escreveu a mestra Gloria Kirinus: "Ela, a poesia, é invenção, criação e harmonização. Os deuses inventados para aclamar ou acalmar as manifestações da natureza estão aí, poeticamente situados. As danças da chuva, os ritos de passagem, a escuta do canto dos rios e do barulho do vento, do código sonoro dos pássaros, são as primeiras escutas em estado de poesia" (in: Synthomas de poesia na infância, p. 25). Priscila Prado faz isso muito bem em seus livros: escuta minuciosamente o mundo ao redor, mergulhada que está em seu estado de poesia. E ela não escuta o poético apenas nas manifestações da Natureza ("poente nebuloso/ o céu refletindo o relevo do chão/ - rios, mares, montanhas e altiplanos/ geocartografia nas nuvens", in: Encontros desconcertantes, p. 116); como também nas tantas emoções que percorrem a alma humana ("a mágoa desperta/ de seu sono leve/ ferrão em riste/ só de arranhar arromba/ a porta da memória/ - adivinha/ quem é que se fere", in: Fósforo, p. 51).
Recomendo esse pequeno imenso livro que, muito bem e concisamente, retrata os contrastes luz/escuridão do mundo de fora e dos nossos múltiplos mundos internos - por isso mesmo, ouso dizer, a escolha do título Fósforo: aquele instrumento que se acende instantaneamente, mas que também assim se apaga, ao sopro de uma leve brisa!
Nic Cardeal, em 23 de abril de 2025, Dia Mundial do Livro.
capa do livro Fósforo
Dez poemas de FÓSFORO:
🔥
reverberam o coração
estrelas presas
nos ossos pétreos:
o corpo é uma constelação
(p. 13)
🔥
os círculos se fecham
e se abrem - e os sustos
nos recolocam em curso
(p. 18)
🔥
contemporâneo narciso
em cada lago o próprio rosto refletido
contempla - consciente do perigo
(p. 22)
🔥
sumo conforto! - a alma
caber no próprio corpo
qual instrumento no estojo
(p. 36)
🔥
nem feito nem dito
a ti ressente o que digo
ressinto o não dito
(p. 50)
🔥
asas abertas
pra voar tem que ter ar
debaixo delas
(p. 63)
🔥
ai, que medo que dá:
cair para dentro do espelho
ao fotografar a si mesmo!
(p. 75)
🔥
o alvo é tua alma
a flecha é invisível
a arma do artista
está sempre em riste
(p. 99)
🔥
dois arcos-íris
cruzam os fios elétricos
a luz me atravessa
(p. 107)
🔥
o mar se agita
o coqueiro acompanha: venta.
o poeta? - contempla.
(p. 114)
fotografia do arquivo pessoal da autora
PRISCILA PRADO é natural do Rio de Janeiro/RJ e reside em Curitiba/PR desde criança. Advogada graduada pela UFPR, mestre em Estudos de Linguagens pela UTFPR. Escritora e tradutora, escreve para adultos, jovens e crianças, utilizando-se de linguagens múltiplas: verso, prosa, fotografia, pintura, cerâmica. Finalista do Prêmio Jabuti 2013 com o livro interativo de poesia ilustrada Preguiça, coragem e outros bichos.
Atuante no coletivo de incentivo e divulgação de literatura infantojuvenil (Coletivo Era Uma Vez) e em coletivos de autoria de mulheres (Coletivo Marianas e Mulherio das Letras).
Site: www.priscilaprado.com
Livros publicados: A qualquer momento agora (poesia, Curitiba, PR: edição da autora, 2005); Preguiça, coragem e outros bichos (poesia, Curitiba, PR: edição da autora, 2012); No olho do paradoxo (poesia, Curitiba, PR: Insight, 2015); Alas, pétalas & labaredas (poesia, Curitiba, PR: Marianas Edições, 2018); Encontros desconcertantes (poesia, Curitiba, PR: Insight, 2018); Otsus: poemas e interjeições (poesia, Curitiba, PR: Insight, 2021); Uma rua de todas as cores (infantojuvenil, Curitiba, PR: Insight, 2022); Fósforo (poesia, Curitiba, PR: Donizela, 2024).
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