A furiosa e incômoda poesia de Divanize Carbonieri
Cinco Poemas de Divanize Carbonieri
COURAÇA
GLUTONA
RUGIDO
gorda como um baobá
que guarda toda água boa
na grande barriga grossa
gorda como um balaústre
abaulado na cabeça
e base e no meio um globo
uma coluna grega que
sustenta o teto da casa
sobressaindo na cena
baú trancado no sótão
contém trastes ou tesouros
outros segredos de estado
uma basílica branca
imensa catedral gótica
com as gárgulas aladas
sabe gargalhar a gorda
calando tal dor na carne
escarnece sobranceira
tanto ódio lhe deu couraça
goma tesa em sua casca
imagem: Verá Poty
imagem: Verá Poty
GLUTONA
o
corpo grande campo de pouca monta
uma
mulher será antes de tudo um corpo
e uma
mulher gorda será um corpo grande
campeando
como gado em pasto calmo
partes
inchadas de seu corpo assomando
amontoando-se
encharcadas de sangue
esperma
chacoalhado sobre as carnes
como
incomoda demais a mulher gorda
porque
é grande como a ampla copa de árvore
miúdas
devem ser todas as domadas
mulas
amansadas mais éguas montadas
para o
manejo dos campos e das camas
mas
algumas são monstruosas enguias
a sela
escorrega no limo do dorso
medusas
gigantes engolindo a paz
a
voraz garganta glutona pastando
no
vórtice em espiral do mundo cão
imagem: Verá Poty
imagem: Verá Poty
FEIURA
nunca seremos bonitas o suficiente
nunca seremos bonitas o suficiente
insidioso
é que as belas são apenas papel
colorido
repleto de fotos retocadas
no
ímpeto de se levantar acorre a lembrança
você
não é bonita então se acanhe
não
arreganhe os dentes nessa bocarra
escancarada
e mantenha-se calada
na
cara a cútis arranhada do último
surto
de ansiedade uma crise soterrada
você
não é bonita e não pode pronunciar
palavra
cultivada na lavoura da valia
a
acusação da feiura será erguida sempre
que
falhar a autocensura e emergir a ousadia
de
ocupar a tribuna e se tornar protagonista
imagem sem anotação de autoria
imagem sem anotação de autoria
pacificada na pancada
a faca ainda fincada na cara inchada
cicatrizada a cada paulada
trincada essa arcada fixa
rachada a fuça
estraçalhada ela estrebucha
punho repuxa
um achaque de pura fúria
fará acabar a faina de chofre
de cenho franzido cunha a frase
chega da sina de ser cega e se acumular
de restolhos de uma ceifa
sempre pouca
imagem: Frida Kahlo
imagem: Frida Kahlo
RUGIDO
homem
pode escrever coisa sem sentido
vai
ser sempre celebrado
palminhas
nas costas
premiado
minha
cabeça oca foi escavada
até o
fundo
o
fundamento todo da histeria
é
afirmar não ser história
o
balbucio
o
rugido
o
grito
de
quem está enjaulada
atrás
de janelas
tomadas
de
tijolos
imagem: Lanzi
imagem: Lanzi
Divanize Carbonieri é
doutora em letras pela USP e professora de literaturas de língua inglesa na
UFMT. É autora dos livros de poemas Entraves
(Carlini & Caniato, 2017), Grande
depósito de bugigangas (Carlini & Caniato, 2018) e A ossatura do rinoceronte (Patuá, 2020), além da coletânea de
contos Passagem estreita (Carlini
& Caniato, 2019). Os poemas selecionados fazem parte de Furagem, livro com lançamento previsto
para o primeiro semestre de 2020.
Maravilhosa sua poesia!
ResponderExcluirPoemas incríveis; linda postagem. Parabéns!!!
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