A poesia de Rita Queiroz

Ismael Nery
 

(IM)POSSÍVEIS RETRATOS

Recrio manhãs, crendo nos (im)possíveis
Retratos dos contempladores de arco-íris.
Desfaço as malas, plenas de recordações
De um feliz ano velho
Fantasma na corrente sanguínea.
Navego por águas turbulentas
Escorredouro dos ventos
De 1968, ano que não terminou.
Nas esquinas por onde passei
As rimas do relógio
Deixaram cicatrizes no meu ir e vir.
Na hora da estrela, não sou Macabéa
Sou Tereza Batista, cansada de guerra.

Di Cavalcanti

(RE)ESCRITAS DO DESTINO

Quiseram calar
A voz da luta
Que clamava por justiça.
Quiseram apagar
O sonho de muitas
Que ecoam todos os dias.
Quiseram amedrontar
A pureza inocente
Que pulsa no ventre.
Quiseram proibir
A escrita de denúncias
Que aflora na poesia.
Quiseram nos matar
Na rua, na escola, na tribuna
Mas somos infinitas e sempre vamos gritar!
 
"Círculos" - Wassily Kandinsky
Artista Plástico russo (1866-1944)

COSMOLOGIA

Costuro surpresas

Na inocência de teus olhos,

Desalinhando teus passos
No entremeio de nossas bocas.
A insustentável leveza de nossas horas
Desterrada das cinzas que colorem
Nossas margens distantes e frias
Fazem girar o mensageiro dos ventos.
Somos pássaros aflorando centelhas,
Proferindo palavras indizíveis,
Ocultas nas promessas do caminho
Escritas nas paredes do destino.
O espelho traz todos os (des)enganos
Invisíveis, inaudíveis, inexatos,
Revelando a incompletude dos sentidos,
Cambaleantes nos trilhos vencidos

Ismael Nery


PALAVRAS NUAS

Guardo minha solidão
Nas simétricas rotas
Dos descaminhos.
        Sou o avesso atemporal
        Do espelho partido
        Submerso na noite sem destino.

Abraços de mistério
Despidos de ilusão.
        Sinto o perfume
        Dos olhos ocultos
        Travestidos de contentamento.

Choro as cinzas
Das desérticas ausências
Tombadas na laje fria.
         Vejo a morte do tempo
         Rasgando o silêncio
         Do afago invisível.

Di Cavalcanti

(DES)COSTURAS

Acendo sonhos...
Rasgando-me na imensidão que sangra,
Embalada pelos laços de fadas,
Submergida do oceano telúrico de quimeras!
Fabrico vidas...
Na escrita insana do poema!


Rita Queiroz é natural de Salvador, Bahia, Brasil. Professora universitária, filóloga (pesquisadora do manuscrito), poeta. Autora dos livros Confissões de Afrodite, O Canto da borboleta, Canibalismos (Penalux, 2019, 2018, 2017), Ciranda, cirandinha: vamos brincar com poesia? (Infantil) e Colheitas (Darda, 2019, 2018). Organizadora de coletâneas. Colunista na Revista Cultural Evidenciarte. Publicações em diversas antologias, no Brasil e no exterior, bem como em revistas literárias. Integrante dos coletivos “Confraria Poética Feminina”, “Mulherio das Letras” e “Coletivo de autoras de literatura infantil e infanto-juvenil da Bahia-CALIIB”.




Comentários

  1. Rita, amiga querida, você é poeta da porra! Super adorei!

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  2. Pequena amostra da sua refinada arte é o que acabo de ler, Rita.
    Quanto basta para ter uma certeza: sua poética me convence, como tal.

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