A Poeta Líria Porto em Entrevista - Repostagem de Boca a Penas
líria
porto - nasci em
araguari, minas gerais, em outubro de 1.945. segunda filha de joão ferreira
arantes e mundina mundim porto, tive oito irmãos. aprendi a ler sozinha, antes
dos cinco anos, o que deixou meus pais desesperados, só se podia frequentar
escolas a partir dos sete anos de idade. a sorte foi haver na cidade um jardim
de infância, no externato santa terezinha, onde fui matriculada. minha atração
pelas letras, palavras, livros, começou muito cedo. estudei depois no colégio
sagrado coração de jesus, de freiras, até completar os cursos normal e de
contabilidade - ia à escola pela manhã e à noite, participava de movimentos
literários e estudantis. concursada, fui professora primária por um
período relativamente curto. casei-me em 1967, mudei-me para belo horizonte
e lá vivi por mais de quatro décadas. tive quatro filhas, passei a cuidar das
crianças, deixei de lecionar. e lia muito. o brasil vivia o período da ditadura
militar, engajei-me no movimento pela redemocratização do país, filiei-me ao
pdt, de leonel brizola, e participei dos movimentos tortura nunca mais, diretas
já, contra as privatizações. atualmente sou filiada ao pt. só no
final da década de noventa retornei à escrita e de lá para cá escrevo todos os
dias. tenho dois livros publicados em portugal (borboleta desfolhada e de
lua), dois publicados no brasil pela editora lê ( asa de passarinho e garimpo -
finalista do prêmio jabuti). tenho
outros livros preparados para publicação, entre os quais cadela prateada, publicado
recentemente pela editora penalux. participei de diversas antologias, entre
elas dedo de moça e memórias embaralhadas. sou
autora do blogue tanto mar e participo
de vários sites e revistas na internet, como germina literatura e escritoras suicidas. mudei-me
para araxá - interior de minas - em 2011. tenho dois netos - maria luiza e
francisco.
entre
cético e sádico
talvez o
céu dos cachorros
seja o
inferno dos gatos
e o céu
lá dos bichanos
o
inferno dos passarinhos
e o céu
dos passarinhos
o
inferno dos insetos
e o céu
dos mosquitinhos
talvez
dos vermes também
seja o
corpo putrefato
que
acredita no céu
e purga
céu e inferno
no mesmo fato
LP
Sua
fascinação pelas letras começou cedo. Como foi o processo de aprender a ler
sozinha? Você se lembra de algum detalhe pitoresco?
Líria
Porto: minha mãe lavava a casa, forrava o cimento com jornais, eu ficava lá,
encantada com aquelas marcas pretas, diferentes umas das outras, perguntava o
que significavam para meus pais, para os tios, aos primos, quem passasse... e
havia um rádio general eletric – telefunkem, as letras na fachada da caixa de
madeira e as perguntas insistentes, não demorou, conhecia todas as letras –
descobri que podia unir vogais e consoantes, havia sentido em juntá-las, formar
as palavras! aos cinco anos era capaz de ler as placas com nomes de ruas,
propagandas, manchetes de jornal, de entender muita coisa! lia sem escrever, a
escrita veio a partir da escola...
Brasil
dos anos 60 em plena Ditadura Militar. Você participava dos movimentos
estudantis. Como isso influenciou (e tem influenciado) sua poesia?
LP: participei
do movimento estudantil na adolescência, meados da década de 50, início de 60.
não havia televisão, internet, ia muito
ao cinema. e tinha os livros – mais que a política nacional, a influência era
das leituras, das aulas de português – havia bons professores, a biblioteca do
colégio. sou filha de comerciante, em casa não havia livros além dos escolares.
o golpe militar, no começo, para mim, numa pequena cidade no interior de minas
gerais, era algo distante, só depois, quando me mudei em 67 para belo
horizonte, entendi melhor o que acontecia. houve conhecidos do tempo do
colégio, os mais atuantes nos grêmios literários, um pouco mais velhos que eu,
que precisaram deixar o país. a injustiça, as desigualdades sociais continuam a
me mobilizar, sempre foi assim, não consigo desvincular a escrita, ou qualquer
outra atividade, da política.
Como
você vê toda esta explosão da literatura contemporânea depois do advento da
internet? Como fica a balança de pós & contras, na sua opinião?
LP: penso
que a internet possibilitou meu retorno à escrita. a troca e o contato com quem
também escreve acabou por se tornar um estímulo! vejo com bons olhos tanta
gente se aventurar por esta seara! claro, há de tudo, escritores excelentes,
bons, medianos e até medíocres, mesmo assim acho válida a possibilidade que as
pessoas têm de se comunicar por meio da escrita!
Quando
foi que você começou a escrever com mais consciência do seu talento? Quando e
como nasceu seu primeiro livro?
LP: sou
insegura com relação à minha produção literária, acho que há bons e maus
momentos, preocupo-me em alcançar a forma e a consistência necessária a quem se
propõe ser lido, nem sempre consigo. acredito
que isso aconteça à maioria dos escritores, jamais nos sentir prontos. o
primeiro livro surgiu pelo contato de um editor português, vítor vicente, da
editora canto escuro – perguntou se poderia me publicar em livro, fez a escolha
dos textos em meu blogue – ele próprio escolheu o título do livro também – borboleta desfolhada – publicou-o em 2009 e
veio ao brasil, a belo horizonte, trazendo os exemplares para o lançamento.
A
leitura e a escrita foram companhias constantes em sua vida. Quais foram os
livros e autores que mais influenciaram a Líria Porto Poeta?
LP: garota
ainda, uns doze, treze anos, fugia para a casa do vizinho, dr. adhemar
ferreira, para ler sua antologia de poetas portugueses – lá conheci sonetos de
bocage, o belíssimo poema o melro de guerra junqueiro, poemas de camões, de
fernando pessoa – como vês, comecei bem! achava aquele o maior espetáculo do
planeta! no colégio, um episódio engraçadíssimo – todas as meninas já com os
livros na biblioteca e eu à procura de algo – a professora me interpela,
respondi, ainda não havia encontrado os
lusíadas – e ela, brava – és muito pequena para ler camões! claro, somos
todos pequenos para ler camões! tenho um poema sobre isso:
camões para depois
quis ler
os lusíadas
a freira
lhe disse – impossível menina
não vais
entender patavina
(quem
poda uma planta
molda-a
à sua imagem
e
semelhança)
além dos
poetas portugueses, drummond, bandeira, joão cabral quintana, cora, adélia,
leminski, lorca, brecht, maiakovsky, enfim, todos os que de alguma forma
influenciaram os poetas contemporâneos.
Literatura
no Brasil em época de crise. Além da internet, os saraus têm sido uma boa
alternativa para divulgar literatura e vender livros? Editoras alternativas são
o caminho? Como você vê o quadro atual?
LP: não
entendo de mercado, a poesia sempre foi um produto pouco consumido, porém
acredito que, de forma geral, os brasileiros têm lido mais. moro no interior,
não frequento saraus, também não sei declamar poemas – para quem gosta e
participa, acho válido!
Quando
você começou a escrever para crianças? Como tem sido a resposta? Há um bom
mercado para a literatura infantil no Brasil?
LP: nunca
escrevi para crianças, nem para qualquer público específico – apenas escrevo
versos. quando me disseram que poderia, entre meus poemas, haver a
possibilidade de selecionar alguns infantis e publicar, fiquei alegre! continuo
a afirmar, nada sei sobre a venda de livros
– acredito que haja mesmo muitos pequenos leitores, as escolas particulares
têm se empenhado nisso e o governo federal democrático dos últimos anos
adquiriu bom material literário para as escolas públicas.
Literatura erótica. Ainda há
muito preconceito no Brasil? O que você aconselharia para os escritores e
poetas novatos que desejam trilhar por esta via?
LP: a
poesia erótica não é fácil, pode resvalar para o pornográfico, para o vulgar –
faz-se necessário ter a medida, o ponto! aconselhar alguém? não o faria, no
entanto percebo, quanto mais se lê, melhor se escreve. outros autores são fonte
de inspiração e aperfeiçoamento.
__ entrevista
realizada por
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