Cinco poemas de Kátia Borges
O
gourmet momentâneo
Margaret
Atwood parece estar com frio
o
modo como aperta o casaco preto na parte da frente
Amo
seu nariz, seus pequenos olhos azuis
e
aquele poema sobre o coração arrancado do peito
que
lemos na aula de teoria da lírica
O
papel amassado
passando de mão em mão como se fosse o
órgão vivo.
Caixa
preta
Como
quem rasga o peito e não discute
suturas
para o peito aberto.
Pouco
importa andar com o coração à mostra
os
seios nus repartidos pelo esterno
fissura
entre as costelas – a dor das tais fissuras
Pequena flor
Meu apartamento, no 12º andar,
fica tão perto da varanda
do vizinho do outro prédio
que, se esticar o braço com jeito,
conseguirei regar suas plantas.
Escrevo sobre mim, essa lonjura,
e sobre você, pequena flor,
na solidão do sábado.
A vida é esse verde entre nós.
Talvez biólogos nos expliquem
a fluidez do amor, a essa altura.
Serei melhor se lançar água
e, dessa distância que penso segura,
salvar uma begônia.
Teu movimento
Antes que te chame
o pelotão de fuzilamento
repara o
pássaro
apara o
dia.
Há um olhar
que se derrama
lento sobre a vigia
e graciosidade no andar
do carcereiro.
Antes, sim, que chamem
o teu nome, anota
num papel ou na parede
certo verso de cimento.
Na argamassa firme
teu movimento
A dor fantasma
Tenho as mãos vazias
e horizontes perdidos.
Meu coração vai
onde a vista não alcança.
Meu coração,
treze caravelas,
não descobriu
país algum.
Meus dedos festejam
um braço invisível
e dores fantasmas,
esse vício:
agarrar-se às coisas.
Sinto o vazio espalmado
contra o vento que me cobra
ser possível,
uma pilhéria
de que os livros não dão
conta.
Desenhos por W. Patrick, gentilmente cedidos por Elke Lubitz
Kátia Borges é autora dos livros De volta à caixa de abelhas (As
letras da Bahia, 2002), Uma balada para Janis (P55, 2009), Ticket Zen
(Escrituras, 2010), Escorpião Amarelo (P55, 2012), São Selvagem
(P55, 2014) e O exercício da distração (Penalux, 2017).
Tem poemas incluídos nas coletâneas Roteiro da Poesia Brasileira,
anos 2000 (Global, 2009), Traversée d’Océans – Voix poétiques de
Bretagne et de Bahia (Éditions Lanore, 2012), Autores Baianos, um
Panorama (P55, 2013) e na Mini-Anthology of Brazilian Poetry
(Placitas: Malpais Rewiew, 2013). Escreve crônicas semanais no jornal Correio
desde agosto de 2018.
Poesia que contamina!
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