Resenha do livro LÂMINA, de Marcia Friggi
por Nic Cardeal
MARCIA FRIGGI lança seu livro de estréia, avisando que veio para ficar - e marcar fundo, forte, na resistência dos que teimam apontar o olhar afiado na esperança. Com LÂMINA (Curitiba: Kotter Editorial, 2019), a autora escreve poemas-filhos, poemas-pais, poemas-respiros, poemas-coragem. Nada é em vão, tampouco aleatório, ainda que haja necessidade de longas esperas, de dores costuradas a sangue, suor e lágrimas. Porque Marcia navega por águas profundas, sabe caminhar em águas rasas, ouve ligeiro o aviso de um coração guerreiro. Entende os sinais dos tempos, e então escreve, com a precisão de quem fotografa a realidade com palavras. Exatas palavras - como quem aponta a flecha e atinge o alvo - no esquerdo do peito.
Nos poemas que consagram a existência ("ao que nos consagra"), Marcia trabalha desde o sol, a chuva, a rosa, até a borboleta, que pousa morna e lenta sobre a pétala. Segue a burilar a vida na lágrima, em luas, na mãe e no filho, no amor latente desde o primeiro berço - memórias que vêm e que vão, milenares sentidos de aglutinação grupal - a casa (de dentro e de fora), a aldeia, a terra, o todo. O tempo, sempre o tempo, reconhecido "como nunca ontem/ como nunca antes/ como nunca mais". A autora mergulha em si, no outro, no voo de ambos, para dizer sobre o amor, sobre a necessidade do amor para depois de dois, para todos os milhares, apesar das intempéries que ecoam, em críticas silentes, "sobre a angústia pontual/ de homens lobos". Consagrada existência que prossegue na memória das mãos, no testamento insone, escrito, por certo, com "o passo apressado/mãos operárias/ a voz tom pastel". Até que seja o homem - nós, todos nós - outra vez pássaro! Sim, consagrada a existência que permite à carne percorrer o caminho ao voo, no trajeto insistente da vida que pulsa, lateja, sangra, alegra, consagra o instante - e segue para o destino final, depois dos nossos - todos - horizontes.
Nos poemas que consagram a resistência ("ao que nos esmaga"), a autora rasga, à lâmina, a palavra no fio da esperança! Porque é preciso resistir, sobreviver, viver, apesar de. Porque, por mais que se faça poesia, há dias em que, "hoje, nenhuma poesia salva/ não há metáfora-consolo/ para a guerra/ hoje, só o verbo vivo/ a voz-combate/ o verso-denúncia". Sim, porque é preciso querer ficar, aprender, lutar, ensinar, apesar dos tempos amargos, da realidade sombria, de uma civilização de 'fraturas expostas'.
Sim. É preciso coragem no poema nosso de cada dia, há que nos salvar a poesia, a nos fazer sobreviventes da misoginia, do ódio, dos vermes, do sangue qu'inda ousa sangrar por balas pe(r)didas! Porque há de haver, n'algum novo tempo (e lugar), a hora exata na estrada certa, para reerguermos a dama, o rei, peões reunidos - o povo -, depois da queda de todo esse engodo! Porque é preciso retirar os coturnos, andar sobre a relva, pés descalços de amor!
Porque a mesma LÂMINA que sangra a vida também afia a língua para a palavra de resistência!
Ave, lâmina!
Há lirismo, até nas resenhas dessa poeta sensível. Parabéns, Nic!
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