A intensa e desafiadora Poética de Tereza Duzai
Quatro Poemas de Tereza Du'Zai
Apenas mais um caso de feminicídio
Ele a silenciou com intimidações,
Disfarçou suas lágrimas com sarcasmos,
Inibiu seus desejos com deboches e sadismos.
Ninguém mais ouviu o eco dos seus gritos
abafados por paredes de aço,
Naquela casa, onde ela descobriu os diversos
sentidos da solidão,
Onde seus gemidos cessaram pouco a pouco,
Onde um último sussurro, brutal e
incompreensível,
Mostrou-lhe um jeito inesperado de morrer.
Por quê?...
Quanta perplexidade havia em seus olhos!
Seria ela de volta, a fim de salvar-se no
momento final?
Não, não havia sinais ou códigos que a
conduzissem a um possível retorno.
Ela parecia forte, cimentada pelo sangue de seu
corpo.
Alguém disse: "Deus fará justiça!".
Alguém disse: "Foi a vontade de Deus"!
Alguém disse: "Ele precisa ser encontrado
para pedir perdão a Deus, antes que faça uma besteira com a própria vida".
Alguém gritou: "Dane-se, Deus! Dane-se,
Deus!"
E foi embora, levando ao colo a pequena Tina,
sua neta, filha d'Ela.
Volúpia
Todas nós, mulheres do mundo, somos Virgens
Marias,
parimos virgens e continuamos virgens;
todas nós, mulheres do mundo, temos um José
ausente, insuficiente;
todas nós, mulheres do mundo, queremos um anjo
Gabriel que nos visite ao anoitecer;
todas nós, mulheres do mundo, temos um amante
invisível,
que nos acende, nos santifica e nos penetra com
sua luz;
todas nós, mulheres do mundo,
somos o nosso próprio milagre, o nosso próprio
Deus, o nosso próprio diabo.
Somos mães, irmãs e filhas de nós mesmas.
Alegorias
A poesia grudou no céu da minha boca, na minha
língua solta,
nos meus lábios secos.
Ai de ti!
Não me olhes!
Não me beijes!
Ou te tornarás um verso avesso,
o espelho de minh’alma inversa,
nas estrofes tortas de teu corpo travesso, que
se atravessa,
que se arremessa sem pressa,
refletido em mim.
Em mim.
Seus Corpos
Lindas aves vivem em cativeiros
Com seus corpos velados por grades metálicas.
Sombrios e tristes são seus cantos.
E eu me pergunto: "Quais são as cores de
seus dias?
O que lhes tirará a morte, além de suas dores?
Quão livres serão seus voos enrijecidos pela ausência de suas vidas?"
Sobre ser Puta
Não,
Rute, não estás desgraçada!
Não
há desonra alguma em ser considerada puta,
Pode
uma mulher ser socialmente puta por sua amabilidade não preconceituosa,
Por
gostar de vestir-se com pouco pano,
Por
dizer o que pensa e ir onde bem entende,
Por
sua insaciedade sexual,
Pode,
imagine o absurdo, Rita, uma mulher ser considerada puta por ser tão bondosa a
ponto de dar-se a muitos, indistintamente;
Sem
falar das que por serem inseguras ou exigentes demais passam a vida em busca do
relacionamento perfeito, tornando-se vítimas da má fama e do escarninho vulgar;
Há
incontáveis e inomináveis putas no mundo.
Umas
anônimas, outras famosas,
Umas
imbecis, outras geniais,
Umas
divertidas, outras enfadonhas,
Abençoadas
putas religiosas,
Exemplares
putas educadoras,
Poderosas
putas empresárias,
Respeitáveis
putas esposas,
Adoráveis
putas namoradas,
Ordinárias
putas pobres,
Nobilíssimas
putas ricas,
Bondosas
e malvadas, vítimas e assassinas, leais e desleais, solidárias e egoístas...
Alices,
Patrícias, Anas, Sheilas, Jaquelines, Terezas, Aparecidas, Marianas;
Janaínas,
Lúcias, Letícias, Adrianas, Vânias, Susanas, Leias, Cátias, Elizabetes,
Michelles;
Carlas,
Cecílias, Helenas, Sandras, Alessandras, Cristines, Cristianes, Carolines...
Basta
prestar a atenção, Rosa!
Maria
Terezinha da Silva - Tereza Du'Zai, natural de Itajaí, SC, é poeta, contista, cronista e professora de
Língua Portuguesa e Literatura. O tempo, a loucura, a solidão e a morte são
temas recorrentes na obra de Duzai que, desde 2015, tem se dedicado, também, à
literatura fantástica e gótica. Vencedora do III Concurso UFES de Literatura na
categoria poesia, participou também de coletâneas publicadas entre 2016 e 2019.
* As imagens utilizadas como ilustração desta publicação são de autoria de José Cláudio.
* As imagens utilizadas como ilustração desta publicação são de autoria de José Cláudio.
Bela publicação!
ResponderExcluir