Carmen Luna
àquelas horas, na rua,
nada de anjo da guarda
só a fumaça, neblina ensaiada.
ela era assim: cabelo chanel, tragadas
profundas
comentários esparsos.
sobre o garçom jogando água na
calçada:
garçom conservador deveria ser
proibido.
o passado bate muito à porta
ultimamente.
sobre o amor:
estátuas de farda na praça pública
andam matando todo amor.
sobre a cachaça:
trôpego, mas de pé,
é o futuro da humanidade.
há poesia na praça, sussurra:
sem as estátuas, não conheço o macio.
sem as mortes, não alcanço as
estrelas.
ela vai embora devagar.
os olhares aniquilam sutilmente
a dobra da esquina, como tiros na
nuca.
Hoje me livro da pele
Essa armadura atávica
Hoje me livro da fala
Essa moeda de troca
Hoje me livro do medo
Essa guilhotina das ideias
Pensava ela
Enquanto rodava em círculos
No próprio quarto
Depois de socar almofadas
E ler aquele best-seller que ensina
tudo sobre amor próprio
anda agora mesmo pela rua
definha e finta o fim
tuntum tantã tuntum
o coração vai vai vem vem
como a maré na Beira-Mar
como Sísifo e pedra
como a guerra na cidade
embaixo de sua pele há outra e outra
que, agora cortada, sabe de cor:
esta terra tantas vezes definhou
e enfim inteira tombou, como em Celestino
celeste encontro, vitória dos sem coração
no céu azul, não asas
a gravidade mostra suas quinas
a poesia é um solo a sete palmos do amor
Não é o relógio que te acorda
Não se dorme mais 8 horas por noite
Os sonhos são esquecidos a cada manhã
Todo mundo rouba o tempo do outro
Ela vigia o olhar do amado a cada
crepúsculo
A vigília é um caracol em seu
labirinto
O tempo gruda no corpo que queria mais
da vida
É nossa anatomia, pedra e abismo
Somos o homem que morre
Pensando que fugiu da cela
Que já lhe habita o osso
sonhei que via você num outdoor, nas
redes sociais
e em toda parte
tal um ídolo imbatível
um deus do tempo dos deuses perenes
um pai que me livrava do abandono
você perfeito, de mármore
só eu sabia do cerne humano
dos dentes gastos de tanto arrancar a
jugular
da vida e sorrir
dentifrício
* Todas as obras que ilustram a matéria, são da artista espanhola Carmen Luna.
|
Comentários
Postar um comentário