Cinco poemas de Maria Alice Bragança - Beleza e força poética
Óleo sobre tela de Luciane Valença |
SÓTÃO
Poderia
assobiar sempre que passasses.
Não
sei. Não aprendi.
Estão
cerzidos, na barra da minha saia,
os
temores de minhas bisavós.
Queria
sussurrar-te muitas noites de amor.
Não
posso. Vela minha voz
o
silêncio da espera
na
sacada noturna de meus príncipes.
Guarda
este baú, vazio, de enxoval,
a
menina que repete em seus passos
o
andar eterno de todas as mulheres.
Aquarela e nanquim sobre papel de Luciane Valença |
CORRE
UM COELHO BRANCO COM UM RELÓGIO
É preciso dizer que
não se tem tempo.
Não há tempo para
viver, para respirar.
Corre um coelho
branco com um relógio.
Atrasado. Atrasado.
Sempre atrasado...
É preciso ser ativo,
produtivo.
O tempo dos relógios
está sempre a passar.
É preciso dizer que
não se tem tempo.
Ou ninguém vai lhe
levar a sério.
O tempo é mistério. O
tempo não tem dono.
Um relógio atrasado
marca apenas o sono.
Nunca o sonho.
É preciso dizer
ocupado, ocupado.
É preciso dizer que
não se tem tempo.
Vai que alguém
resolve lhe amar?
É preciso estar
sempre preocupado,
ocupado.
Ou podem achar que
você é o culpado
pelo mundo estar como
está.
MINGUANTE
Algumas noites acontece assim,
as sombras saem às ruas
a procurar uma metade qualquer.
Algumas noites acontece assim,
surgem estes mistérios.
Não reflete o espelho
parte
do rosto.
Afrodite -aquarela e nanquim sobre papel por Luciane Valença |
O SEXO DAS MULHERES
Os homens espiam o sexo das mulheres.
E não o encontram em suas calcinhas.
Quando as penetram, também não o
encontram.
As mulheres escondem o sexo em seus
olhos.
O sexo das mulheres está exposto.
O sexo das mulheres balança em seu
andar.
O sexo das mulheres balança em seus
braços
quando acalentam seus filhos.
O sexo das mulheres não tem nome,
nem imagem, nem figura.
Os artistas não o aprisionaram em
pinturas.
O sexo das mulheres está exposto,
quando se vestem, quando se despem,
no grande teatro da vida.
O sexo das mulheres elas o disfarçam.
Com maquiagem, encobrem seu rastro.
O escondem com perfumes.
O sexo das mulheres elas o recriam nos
rios.
O sexo das mulheres está imerso no mar.
O sexo das mulheres é concha.
Maresia.
Aquarela sobre papel de Luciane Valença |
ELA TE ESPERA NO CAIS
Penélope,
ela te espera no cais.
Desmancha
todos os dias
o
tricô de sua mortalha.
Ela
te espera no cais.
Espanta
todos os pretendentes,
entre
eles a própria morte.
Ela
te espera no cais.
Odisseia
de um homem
perdido
em labirintos.
Encantado
por tesouros de cobre,
por
medalhas, honrarias e outras quinquilharias,
por
sereias pós-modernas e luzes de sex shops.
Naufragaste.
Ela
te espera no cais,
enquanto
observa Caronte atracar.
* Poemas retirados do livro “Cartas que não escrevi”, lançado em outubro de
2019, pela editora Casa Verde.
Maria
Alice Bragança nasceu em Porto Alegre, RS, Brasil. Jornalista,
diplomada pela FABICO/UFRGS, mestre em Comunicação Social pela PUCRS, redatora
e editora de emissoras de rádio e de jornais, como Correio
do Povo e Zero Hora, foi também professora de comunicação social e
artes visuais. Atualmente, é diretora de comunicação da Associação Gaúcha de
Escritores (AGES). Publicou poemas em jornais, em antologias nacionais e em
Portugal, além dos livros de poesia: “Quarto em quadro” e “Cartas que não
escrevi”. Mantém, sem periodicidade, o blog “Alice & Labirintos” (alicelabirintos.blogspot.com)
e participa do coletivo Mulherio das Letras (RS, Portugal e Europa). Tem poemas
publicados nas revistas
literárias Gente de Palavra, Literatura
& Fechadura, Mallarmargens, Germina e InComunidade.
Belíssimos poemas!
ResponderExcluirObrigada, querida. ��
ExcluirMaravilha!
ResponderExcluirGracias. 😘
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