Lia Sena - Seis poemas publicados em livros e um a publicar.
Fotografia por Marcelo Sena |
ponderações
quase certo
que a oficina de risos
fechará as portas
às três.
[o expediente será quebrado]
se o senhor das lágrimas insiste
em implantar seu feudo
em arrolar escravos
aliciar as dores
o que fazer
pra se manter imune
dono do seu próprio reino?
como bater altivo no peito
e gritar bem alto
- sou dono do meu latifúndio?
quase certo
que resistirão os fortes
guardarão os bosques
enfeitarão os lagos com mágicas estrelas
quase certo
que a fúria implacável de monstros
não resistirá aos anjos.
[haverá plena colheita]
e
se não assola a fome, os homens
a festa será plena.
todos os moinhos girando
todas as portas abertas.
até as seis.
Em De foro íntimo (Penalux/2018)
Desenho por W. Patrick |
modus operandi
recomendamos um certo ar blasé. nenhuma gentileza explícita nenhum olhar condescendente. os cabelos muito bem alinhados sempre. nenhuma felicidade aparente. nenhum vestígio de solidariedade. de preferência recomendamos um semblante hostil. que seja frio, qualquer indício de sorriso. que seja hábil em ironia e sarcasmo, recomendamos maus tratos e indelicadezas. que sejam ingratas e desconfortáveis as horas a esperar sentadas nas lustrosas cadeiras. que seja farto o calor a provocar suor. em nenhum instante, prazer. [nenhuma cruzada de pernas provocante]. |
Em Outras Carolinas - Mulherio da Bahia (Penalux/2017)
Aquarela por Luciane Valença |
urgência
há um suspiro que ecoa na noite sombria
um enrodilhar de corpo que clama.
uma lágrima furtiva de esperas.
é urgente que venhas
[tão longe moras]
sei
que é tarde.
teu tornozelo ainda
todo atado ao peso
do vazio que choras.
não sei se sabes
mas ardem aqui
os precipícios
as paisagens lúbricas
de um corpo em chamas.
sei que tardas.
[temes]
faz falta
a tua língua lenta e cálida.
a germinar almejos.
a tua tez exata
de pródigos cheiros.
tuas mãos perdidas
pelo labirinto das curvas.
teus dedos.
teus olhos que chamam
e ainda nem sabem
de quantos rios eles abrem
quando - lava quente -
ainda em sonho, invades
esse corpo anseio.
em Nas Teias de Eros (Darda Editora/2018)
**
Oculto
Tudo meio escondido na mulher
Os dramas
As tramas do vestido
que encobre luz.
O sexo
todo camuflado
carnes e pelos
E os cabelos
que escondem nuca
orelhas
destempero.
Tudo seduz
no oculto da mulher.
mesmo quando passeia nua pela sala
e exala um cheiro que só ela tem
Guarda um mistério
de gozo que não jorra
e é só dela.
Um seio que se pronuncia
Mas não conta tudo
Um discurso mudo
Que intriga
e passeia.
Tudo meio escondido na mulher
Os dramas
As tramas do vestido
que encobre luz.
O sexo
todo camuflado
carnes e pelos
E os cabelos
que escondem nuca
orelhas
destempero.
Tudo seduz
no oculto da mulher.
mesmo quando passeia nua pela sala
e exala um cheiro que só ela tem
Guarda um mistério
de gozo que não jorra
e é só dela.
Um seio que se pronuncia
Mas não conta tudo
Um discurso mudo
Que intriga
e passeia.
Em Por Todo Risco (2013)
Desenho por W. Patrick Da Infância |
Na carroceria do caminhão do meu pai
Cabiam coisas assim
como sonhos
viagens pra Mairi
brincadeiras infantes
e farofa de carne do sol
(que a minha mãe guardava em latas grandes e bem tampadas).
Cabia um baú cheio de roupas
e a pressa de chegar
na casa das tias
(especialmente tia Faide que tinha casa com jardim, pomar e ainda doces de frutas em compotas)
Xixi na beira da estrada
e olhar comprido na imensidão
A fantasia da nuvem cobrindo a montanha
e o sol despencando
(sabe-se de onde).
Na carroceria do caminhão do meu pai
Cabia o desejo de estar perto
e um sonho de eterno
de pai e mãe sem fim.
Cabiam coisas assim
como sonhos
viagens pra Mairi
brincadeiras infantes
e farofa de carne do sol
(que a minha mãe guardava em latas grandes e bem tampadas).
Cabia um baú cheio de roupas
e a pressa de chegar
na casa das tias
(especialmente tia Faide que tinha casa com jardim, pomar e ainda doces de frutas em compotas)
Xixi na beira da estrada
e olhar comprido na imensidão
A fantasia da nuvem cobrindo a montanha
e o sol despencando
(sabe-se de onde).
Na carroceria do caminhão do meu pai
Cabia o desejo de estar perto
e um sonho de eterno
de pai e mãe sem fim.
Em Lume dos Anseios (Edições MAC/2014)
Aquarela de Luciane Valença |
certeiro
o amor é bicho desembestado
mesmo quando sangra e manca
não perde o passo
não erra o galope
o
amor não deita na rede
pega avião a jato.
não mede esforços
não vê empecilho
o amor não é de papo
não é de prosa
é de poesia
o amor é de fato
a cada dia, o que importa
o amor não fica à beira da porta
não faz arrodeio, não mede distância
o amor adentra e faz bem feito
cresce no peito e pulsa na veia
é de parelha: corpo e sensação
o amor é mais que pão
é mesa farta, banquete.
se esparrama pela casa inteira
brinca no tapete da sala
acende a lareira
molha as plantas no quintal
o amor nunca é meia boca
é boca cheia de arrebatamento
é o melhor intento e a maior satisfação
é explosão e quietude
leito e vida mundo afora
o amor não se escora
procura, batalha, decide
-o amor acha jeito -
Em De foro íntimo (Penalux 2018)
Excelentes. Parabéns, Lia!
ResponderExcluirObrigada, Chris! Um beijo. <3
ExcluirMuito, múito bonitos....assim como as imagens. Um abraço de Parabéns, poeta Lia Sena!!💙
ResponderExcluirMuito obrigada, Eliana. Feliz por sua visita e leitura! Beijo.
ExcluirExcelente e maravilhosos como sempre Lia Sena... Parabéns!
ResponderExcluirMuito grata, Bira Melo. Um abraço!
ExcluirQue maravilha de poemas, Lia Sena! Admiro cada vez mais sua escrita! Parabéns pela profundidade, sensibilidade e competência na escrita poética!
ResponderExcluirQue alegria ler o seu comentário, Esther; muito obrigada!
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