Ficar em casa - Marília Kubota
MOSAICO Coluna 01 - Crônica
Ficar em casa
por Marília Kubota
Durante anos fiquei incomodada com o fato de não sair de casa. Ao redor diziam: "não fique o tempo todo enfurnada", "saia pra respirar", "não fique só lendo", "pratique exercícios ao ar livre." Instrospectivos se acostumam a ouvir esta ladainha e mais: "você fala demais", "não ouvi sua voz hoje", "acho que estou surdo".
Tornei-me especialista em ficar em casa. Fui criança quieta: adorava ler. Revistas em quadrinhos, crônicas, poemas, almanaque Biotônico Fontoura. Em casa não havia livros. Nem Bíblia, nem Doutrina de Buda. Não lembro se era mais caseira do que outras crianças. Sei que jamais aprendi gramática na escola. Graças à leitura, "entendia" as regras da língua.
Tornei-me especialista em ficar em casa. Fui criança quieta: adorava ler. Revistas em quadrinhos, crônicas, poemas, almanaque Biotônico Fontoura. Em casa não havia livros. Nem Bíblia, nem Doutrina de Buda. Não lembro se era mais caseira do que outras crianças. Sei que jamais aprendi gramática na escola. Graças à leitura, "entendia" as regras da língua.
Aos 15 anos, comecei a ficar mais em casa do que meus colegas. Abandonei o ensino médio. Fugi de uma apresentação oral compulsória nas aulas de Língua Portuguesa. Nunca abria a boca nas aulas. Nos três anos em que fiquei em casa, fiz formação de leitura autodidata. Emprestava livros de bibliotecas para ler o que gostava.
Li literatura brasileira, latinoamericana, norteamericana, russa, francesa e um pouco de japonesa — raros eram os autores traduzidos até os anos 90. Comecei a escrever um diário e descobri que podia escrever poemas. A leitura e a escrita atenuavam a solidão do luto da adolescência. Aos 18, renasci e completei o ensino médio. Fiz vestibular e fui aprovada em cursos de Letras e Jornalismo.
Já como jornalista, eu pedia para trabalhar em casa. Só pude concretizar este desejo em 2008, quando abandonei o jornalismo para me dedicar à literatura. Desde então, trabalho indoor. Aprendi a cumprir horário e compromissos, aproveitar oportunidades e não ficar isolada demais. Embora adore a atividade a sós, o isolamento compulsório ou voluntário é diferente. Não há opção de ir ao bar da esquina tomar café para ver gente ou papear furado ou caminhar ao ar livre para observar bem-te-vis e capivaras.
Com a popularização das redes sociais, comentar notícias se tornou o entretenimento favorito de parte da humanidade. Com a ameaça do coronavírus, os ansiosos buscam atualizar-se e comentar na internet.
Como a maior parte das pessoas que podem, estou em auto-isolamento voluntário. Tenho experiência de vários anos de confinamento domiciliar. Nunca pensei que uma tendência introspectiva um dia se tornasse universal.
Crônica maravilhosa, Marilia. Uma delícia de ler. Achei muitos pontos em comum!
ResponderExcluirEstreia perfeita da sua coluna Mosaico com uma crônica bem realista, Marília. Parabéns! 🤍
ResponderExcluirIdentiquei-me tanto com você, Marília! Embora ninguém acredite, sou absurdamente tímida. E todos os dias preciso passar com.um caminhão carregado por cima disso para, então, fazer todas as coisas que me fazer parecer extrovertida. Amei conhecer um pouco mais de você, Poeta que admiro. Grande abraço.
ResponderExcluirÓtima crônica, Marília. Também me identifiquei com você: ainda hoje, fico gelada quando preciso falar em público e, de igual modo, vivo em isolamento voluntário. Abraço-a forte, aqui pode!
ResponderExcluirComo é bom ler Marília!
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