Um conto delicado de Maya Falks
Luciane Valença |
Flor
por Maya Falks
Você
se lembra daquele dia? Devia ser no verão de 94 ou 95, não sei. Eu usava
aparelho e você era magro que parecia que ia rachar ao meio.
Você
desceu os três degraus da varanda, quase caiu no jardim porque estávamos
bêbados, e arrancou uma das flores que sua avó tinha plantado uma semana antes.
Você,
chucro, me disse que era pra eu não dizer que nunca ganhei nada de você. Tive
vontade de dizer que preferia um beijo, que a flor morreria, mas o beijo
ficaria guardado pra sempre.
Mas
você já estava com ela na mão. Estava escuro. Tive esperança que o beijo viesse
depois da flor, mas você se virou e disse que me levaria pra casa. Caminhei em
silêncio ao seu lado, tentando respirar o seu cheiro, ofegante, acreditando que
sentiria seu gosto no meu portão.
Entrei
em casa somente com a flor. Não que não fosse bom, mas eu ainda preferia teu
beijo.
No
dia seguinte você não se lembrava de nada.
Um
dia, anos depois, achei a flor seca em minha agenda. Sem cor e sem cheiro, como
a lembrança do beijo que nunca tive.
Você
foi minha melhor não-lembrança.
A
flor não existe mais.
Nem o amor que eu sentia por ti.
Nem o amor que eu sentia por ti.
Maya
Falks nasceu Márcia, no dia mais frio de 1982. Começou a criar histórias aos 3
anos, ditando as narrativas à mãe. Escreveu seu primeiro romance aos 7 anos, o
segundo aos 10 e a primeira antologia poética aos 14, nenhum deles publicados.
Atualmente Maya é publicitária, jornalista, estudante de letras e autora dos
livros "Depois de Tudo", "Versos e Outras Insanidades",
"Histórias de Minha Morte" e "Poemas para ler no front".
Para 2020 está previsto o lançamento de “Santuário”.
Oh, Maya, como são doces as lembranças que guardamos no porão da nossa memória! Seu texto me tocou profunda e delicadamente! Tenho saudades de histórias não vividas! A lingerie macia ainda repousa no fundo de uma gaveta que não abro mais. São saudades esquecidas que se transformam em carne viva, quando lembro. Foi muito bom ler você!
ResponderExcluirQue comentário lindo! Muito obrigada pelo carinho e pela leitura!
ResponderExcluirCom amor,
Maya