Uma Prosa Poética por Bárbara Lia

Fotografia por Mdorea


Para Sylvia Plath, quando ela era menina

Bárbara Lia
  

Um céu / sem estrelas e sem pai: uma água negra
Sylvia Plath


  
Point Shirley. A vida protegida feito um navio em uma garrafa - um mito branco e obsoleto - passagem granulada de ternura de um mar onde se recolhe conchas para um pai que se adora. Sylvia e seu elemento primeiro - a água. O mar e a pacífica entrada no mundo. Antes do peso dos pés gangrenados de Otho puxarem-na para o mar profundo da inconformidade. Lavar com sal marinho o sorriso expandido. Secar este sal na pele até doer mais que ferroada de abelha. Princesa que não chegou a ser rainha. Concha que matou a pérola. Um caminho estendido de areias e oceano. Um pai a desvendar a vida social das abelhas e a enclausurar a abelha pequena em uma caixa de interrogações:


tenho um eu a recuperar, uma rainha
estará ela morta, estará dormindo?
onde tem ela andado,
com seu corpo vermelho-leão, suas asas de vidro? (1)


A vida, um rito de paz sob as asas dos avós maternos, os Schobers.
Em 1962, quando a BBC encomendou um pequeno trecho biográfico para Sylvia, ela o intitulou Ocean 1212-W. Um número que ela jamais esqueceu. O número do telefone dos avós. Não dava mais para discar o número, adentrar a redoma-garrafa, voltar ao mar da infância, recolher conchas e abraçar seu gato Mowgli. O fio do telefone um cordão umbilical, uma chamada jamais atendida por uma menina, esta que pula e sorri diante de um oceano inumerável.

    (1).Tradução da poesia de Sylvia Plath: Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça.




Bárbara Lia é uma escritora brasileira. Nasceu em Assaí, norte do Paraná. Publicou os livros: O sorriso de Leonardo (Kafka Ed. Baratas/2004), O sal das rosas (Lumme/2007), A última chuva (Mulheres Emergentes/2007), Solidão Calcinada (Romance, Secretaria da Cultura / Impressa Oficial do Paraná – 2008), Constelação de Ossos (Vidráguas/2010), A flor dentro da árvore (edição da autora/2011). Forasteira (Vidráguas/2016), As filhas de Manuela (Triunfal/2017), Não o convidei ao meu corpo (Ed. Kazuá/2018), entre outros. Participou de várias antologias, entre elas: Fantasma Civil (Bienal de Arte Curitiba 2013), Amar, Verbo atemporal (Rocco), O melhor da Festa 3 (Festipoa), Blasfêmeas – Mulheres de Palavras (Casa Verde Ed.), Arqueologia da palavra – Anatomia da Língua (Literatas - Maputo).
Mantém o blog: http://www.chaparaasborboletas.blogspot.com/


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