Vox Marielle, saudades, homenagem e um poema inédito para Marielle Franco - Chris Herrmann
Imagem: Wikipedia Commons |
Vox Marielle
por Chris Herrmann
Há dois anos, no dia 14 de Março de 2018, o Brasil sofreu um abalo terrível. A Vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Pedro Gomes foram covardemente executados no Rio de Janeiro. Agora o mundo inteiro sabe e continua perplexo. Muitas perguntas sem respostas. Muitas respostas sem perguntas. Sabemos quem matou. Sabemos quem sabe mais sobre quem mandou matar, mas autoridades abafam o escândalo. Marielle incomodou por ser negra, por assumir um relacionamento homoafetivo, por dar voz aos LGBTs, por ter tido seus pés fincados na luta e preocupação com as favelas e favelados, por ser voz ativa na política para os pobres, esquecidos e renegados. Quiseram calar para sempre sua voz, mas não conseguiram. Sua voz ficou ainda mais forte em nosso peito e no mundo inteiro.
Ainda me membro do momento que li a notícia, do choque e do quanto chorei de tristeza e incompreensão deste mundo cheio de ódio. Ainda muito abalada, como todos que a admiravam, escrevi dois dias depois a crônica abaixo:
Foi na Rua Joaquim Palhares
Morei no Estácio durante uma boa parte da minha infância e adolescência nos anos 70 e 80. E antes de virar ateia, frequentava a Paróquia de São Joaquim na Rua Joaquim Palhares. Participava de um grupo jovem onde também cantávamos e tocávamos violão nas missas. Às vezes, eu substituía a organista quando ela estava doente ou não podia ir. Na missa de um mês do falecimento do meu pai (quando eu tinha 19 anos), fiz questão de tocar naquele órgão e escolhi só músicas que ele gostava. Não sabia se tocava ou enxugava as lágrimas. Foi na Rua Joaquim Palhares.
Outras lembranças do pátio da Igreja, das Festas de Natal e Páscoa. Dos encontros do nosso grupo. Das Festas Juninas, onde uma vez fui a noiva e meu primeiro namorado, o noivo. Foi na Rua Joaquim Palhares.
Vários finais de semana do nosso grupo jovem, partíamos do pátio da igreja com uma Kombi. Levávamos às creches roupas, sapatos, livros e brinquedos. Eram das doações que recolhíamos durante a semana de lojas dos bairros do Estácio e Tijuca. Foi na Rua Joaquim Palhares.
Vivi tantas coisas que me marcaram naquela época... a minha primeira decepção amorosa foi ali, vendo o meu ex-namorado (que eu ainda não tinha esquecido) com a minha melhor amiga. Chorei rios. Depois cachoeiras. Depois secaram. Foi na Rua Joaquim Palhares.
O padre mais gente boa que conheci em toda a minha vida (ele me lembra hoje o Papa Francisco), era da igreja São Joaquim. Padre Raimundo, que depois soube que morreu. Ele não tinha preconceitos, não tinha vaidades. Estava sempre pronto a ajudar e se mobilizar pelos necessitados. Tinha um coração que cabia o mundo. Foi na Rua Joaquim Palhares.
Há tempos não pensava na Rua Joaquim Palhares. Mas desde ontem de manhã, estou ali próxima à Marielle Franco e ao motorista Anderson que foram covardemente executados. Mulher, Negra, Vereadora, Ativista Social, Marielle incomodou muito e a muita gente. Nunca se calou. Sempre lutou. E continuará sua luta através de outros braços, outros olhos, outras vozes. Eles pensam que a calaram. Mas não. E mesmo com dor e indignação, agora somos milhares e milhões de Marielles com a sua voz. Da Rua Joaquim Palhares para o Brasil e além dele, para quem quiser ouvir.
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Como todos os amigos poetas, também escrevi diversos poemas para Marielle, alguns que participaram de antologias. Porém, hoje publico aqui um inédito:
Mulher Marielle
Mulher que amou sem pestanejar
Sob os olhares covardes da tirania
Dos crimes e manias da ditadura
Dos despeitados de sua força
Da sua garra, do seu poder
De acordar os injustiçados
De dar voz aos que a perderam
Por ser pobres, por ser pretos,
Por tantos preconceitos
Ser esquecidos
Esmagados
Mulher soberana que brilhou
Subiu e desceu morros
Entre tantos moros e matas
Virou estrela mas não morreu
Ilumina essa ilha de nós
Com sua cor linda
Sua voz em eco no peito
Que entende, peita, grita
E defende pautas de amor
Mulher Marielle, o amar a recebe
Dentro de toda essa gente
Que a respeita, apreende
Sente e ouve a sua voz
Este eco que a faz viver
Em nós para sempre
Mulher Marielle
Você sempre foi e será
Você sempre estará
E é nosso melhor
PRESENTE
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E para completar esta homenagem póstuma cheia de saudades, mais um carinho para esta grande mulher, cuja voz jamais se calará em nós.
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