A poesia forte e belíssima de Rosana Paulo - Quatro poemas


Jeff Christensen - "Horas de Desespero"

O Leviatã

Cobriram o país com
cortinas de fumaça
sombrias, sufocantes, densas
 visão embaçada
voz emudecida
pensamentos confusos
em delírios febris
O triângulo do fogo
que nos consome
tem o sangue
das nossas veias
o ar dos nossos pulmões
o suor do nosso rosto
Nós alimentados Leviatã
besta de espirro pirotécnico
que contamina com violenta
reação em cadeia
guerra de todos
contra todos
Sua íris incendida
como carvão em brasa
transforma insurgentes
em estátuas de sal
A boca monstruosa
ruge feroz e cospe
lâmpadas incandescentes
luz artificial que atrai multidões
como a insetos noturnos
A barbárie é exposta como fratura
em nosso dia a dia
na alma sentimos
uma tristeza vaporizada
seca de lágrimas
sem serventia para apagar
os focos de incêndio
que se espalham rapidamente 
como boatos maliciosos
O som de tiros
substitui a lira do imperador
 Behemoth disfarçado de Nero
veste-se de verde e amarelo
caminha sobre pedras afogueadas
e acende com sua língua de fogo
uma imensa fogueira que queima
gente
livros
arquivos
leis
uma floresta inteira…
apagando nossa esperança
 com suas cinzas
O Brasil arde em chamas
vemos as labaredas da janela
como tambores
nos convocando
para a batalha
ouvimos o bater das panelas

Salvador Dali

Ecos de uma louca

Perdi a calma
Alma... Alma...
Alma presa ao trauma
Alma...Alma...
Alma triste
Riste...Riste...
Riste tu
Com o dedo
em riste
feriste-me com ardor
Dor...Dor...
Dor! E o grito
Rito...Rito...
Rito de passagem
O grito
ninguém ouviu
Ou viu...Ou viu...
Viu?...Viu?...
Ninguém viu
o absurdo
Surdo...Surdo...
Baque surdo
Meu corpo tremeu
Meu...Meu...
Eu...Eu...
Eu louca
Oca...Oca...
Oca por dentro
sem amar
Mar...Mar...
Mar de lágrimas
Rimas...Rimas...
Rimas soltas
Ouvido mouco
Oco...Oco...
Olho cego
Ego...Ego...
Ego louco!
Gritando rouca
Oca...Oca...
Louca!

Kim Byungkwan

Ensaio sobre a maldade

Quem tem veneno e peçonha,
é cobra, escorpião e aranha
tudo bicho ruim
Se eu fosse você
ficava longe de mim
Jamais gostei das mocinhas
tão certinhas, direitinhas
tão santinhas do pau oco
Torcia pela vilã
ardilosa e malsã
Eu brindo com cicuta,
arsênico e cianureto
A cor que prefiro é preto!
Queria de Saramago
que da literatura é mago
um ensaio sobre a maldade
Os loucos, estes me atraem
entediam-me os normais
Quero a mulher imoral
o cafajeste amoral
o Boca do Inferno poeta
Eu sou aquela rosa
perigosa e maldosa
de espinhos venenosos
que mima um gato negro,
acolhe uma rameira,
ama um malandro
sem eira nem beira.
Mas, me diz, qual o teu medo?
Que eu me transforme em espelho?
Feiticeira tem segredos
poções mágicas, quebrantos e bruxarias.
Oh!Anjinho faz assim:
Te protege com a distância
Eu, se fosse você
ficava longe de mim.


Imagem Pinterest

Musa da Lua

Quisera eu ser a Lua
não para ser
a musa do poeta
aquela que ilumina
seu caminho boêmio
na escuridão da rua
Quisera eu ser a Lua
não para receber
a visita do astronauta americano
que ao pisar o solo lunar
recobra a lucidez
perdida no mundo insano
Quisera eu ser a Lua
não para ser
a morada de São Jorge
o santo guerreiro e forte
com seu cavalo branco paz
e seu dragão verde sorte
Quisera eu ser a Lua
não para ser tema
de uma canção
com meus dotes cantados
na simplicidade da voz e violão
Quisera eu ser a Lua
tão pálida
que clareia seu leito
e priva da intimidade
que é só sua
e se deleita
ao vê-la tão nua
bronzeada e crua

***



Rosana Paulo é poeta e contadora de histórias. Nasceu e reside em Salvador/BA. Além de escrever, recita poemas autorais e de outros poetas. Participa de saraus poéticos, eventos literários e de arte educação em escolas, universidades, entidades assistenciais e culturais, bibliotecas e livrarias. Ministrou a Cirandinha Rural, voltada para crianças dentro do Projeto Ciranda Rural da Ronda Maria da Penha. Artista premiada no X e XIII Concurso de Poesia SESI, 2008 e 2011.  Participante dos projetos Mapa da Palavra e Grafias Eletrônicas, ambos da FUNCEB, e do Portal OXE e Enegrescência. Publicações: Vênus ao espelho (CEPA), 2013 - Livro; participa da Antologia Poética do Trabalhador da Indústria (SESI), 2009; da Antologia Fala Escritor (Editora Livrus), 2012; da Antologia do XIV Concurso SESI de Poesia (SESI), 2012; do livro Cogito Antologia Poética – Volume II e III(Cogito Editora), 2015/2017; da Antologia Internacional Espaço do Poeta, 2015; do Dicionário de Escritores Contemporâneos da Bahia(CEPA), 2015; da Antologia Mulher Poesia (Cogito Editora), 2016; do livro - reportagem Antônimos - Narrativas de Vida e Arte,2016 da jornalista Flávia Vasconcelos; da Antologia Memórias(Editora Agilite), da revista CartoGRAFIAS – Funceb,2016; do livro Liberdade - Antologia Poética (Cogito Editora), 2017, do livro Movimento Exploesia – Antologia Poética I, 2017, do livro Outras Carolinas-Mulherio da Bahia (Editora Penalux), 2017.













Comentários

PUBLICAÇÕES MAIS VISITADAS DA SEMANA

De vez em quando um conto - Os Casais - por Lia Sena

Mulher Feminista - 16 Poemas Improvisados - Autoras Diversas

200 palavras/2 minicontos - por Lota Moncada

Nordeste Maravilhoso - Viva as Mulheres Rendeiras!

Cinco poemas de Catita | "Minha árvore é baobá rainha da savana"

A vendedora de balas - Conto

DUAS CRÔNICAS E CINCO POEMAS DE VIOLANTE SARAMAGO MATOS | dos livros "DE MEMÓRIAS NOS FAZEMOS " e "CONVERSAS DE FIM DE RUA"

A POESIA PULSANTE DE LIANA TIMM | PROJETO 8M

Preta em Traje Branco | Cordel reconta: Antonieta de Barros de Joyce Dias

UM TRECHO DO LIVRO "NEM TÃO SOZINHOS ASSIM...", DE ANGELA CARNEIRO | Projeto 8M